28.4.20

Perímetro


Explosions in the Sky, “Postcard From 1952”, in https://www.youtube.com/watch?v=6obrtC66VyE
Este é um lado. O lado acolhedor dos exilados. As pontas das cordas ajeitam-se para o cobertor se prestar a ser refúgio contra o frio da noite. As vozes sussurram, em surdina. Não se intui o que falam. Ao canto, uma senhora idosa dormita. À entrada, dois capatazes asseguram a integridade do lugar. Sabe-se lá por que penhor se move a empreitada. Por que nortes se adestram as vontades.
Não apetece aprovar a jugular do medo. O delicado estertor parece ser uma morada final. Mas não é. Diz-se que somos cataventos diligentes. E dos ventos que nos chegam conseguimos extrair os frutos que não negligenciamos. Não daremos o flanco aos intérpretes dolosos. Não saberemos ser ingénuos no perímetro do refúgio. Assentamos sobre as contingências que não anuímos, que não são nossa autoria. Às vezes, parece difícil distinguir o sonho onde se amontoam as personagens fictícias de uma peça de teatro. Não sabemos ao certo onde está o firme propósito das fronteiras. 
Ao menos, se o amanhã viesse na companhia de um sorriso largo e do sol retemperador, podia ser que valesse a pena dormir sobre o sonho incógnito. Mas ninguém sabe do paradeiro dos sonhos. Ninguém os inventaria. Provavelmente, a metáfora do dia ungido por um sorriso largo e pelo sol retemperador é um logro. Uma armadilha, para cativar a ingenuidade. O passo certeiro para dela sermos vítimas. Que seja preferida a desconfiança como método. Se o dia vem com a aprovação de um sol sorridente, temos de convir que é tanta a magnanimidade que podemos ficar de pé atrás, perguntando pela paga que nos espera. 
Ao menos, os dias enigmáticos e chuvosos não escondem nada. É como são. O seu perímetro não entretece aventuras nómadas, saltando as fronteiras que escondem outras fronteiras. Não se pense que este é um monólogo sisudo. Não seja acusado de estreitar os corredores por onde me movo. As páginas que se multiplicam são um bónus. Ao mesmo tempo, um território tão vasto que ninguém consegue domá-lo por sua conta e risco. 
Às vezes, preferimos a modéstia dos propósitos. O seu perímetro circunscrito às monásticas dimensões que acautelam o rigor. Porque tutelamos o feixe de circunstâncias. Deixamos a ambição, a imensa sede do conhecimento, um mar apalavrado, para um palco a preceito.

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