30.4.20

Cinto de segurança


Einstürzende Neubauten, “Redukt” (live in Paris), in https://www.youtube.com/watch?v=XUv3mUZrV_I
Apanhado na montanha russa. O corpo sitiado em marés contrárias de forças centrífugas e de forças centrípetas. É como se bombas com luzes florescentes atingissem o corpo, vindas de todos os lados, e fosse impossível desviar delas. E as luzes, na sua incandescência, a medrar um apocalipse em tempo real, o psicadélico rapto da vontade. A montanha russa não é uma circunvalação, como dizem das montanhas russas. Não tem critério no itinerário. Se houvesse um mapa que tirasse as medidas à montanha russa, o mapa seria o espelho exato do caos. 
Levo o cinto de segurança. Não tenho de temer a agitação rabugenta da montanha russa. Estou seguro. E se o cinto de segurança não aguentar os solavancos estridentes da montanha russa? Ainda tenho tempo para a interrogação, empenhado pela voracidade da montanha russa que traz o rigor da agonia. Como ainda tenho tempo para alinhavar as bainhas de um pensamento e dele fruir uma interrogação, ali despojado pela fúria da montanha russa?
E se o cinto de segurança fugir aos critérios de segurança? Não tenho arnês substituto do cinto de segurança. Se o cinto de segurança naufragar, fico à mercê da montanha russa. Se ela quiser, atira-me borda fora. Depois, será o sortilégio da queda a cuidar do resto. E aguardar que não haja uma árvore pontiaguda pelo caminho a fazer o papel inverso do cinto de segurança. E que o corpo se adestre ao afunilamento do espaço enquanto a queda se materializa. 
Levo o cinto de segurança. Pelo que pude confirmar, no curto espaço de tempo entre duas curvas que cuidei de amaldiçoar, levo o cinto de segurança bem apertado. Não fosse ter sido negligente no aperto, aproveitei a folga entre as duas curvas para o cingir mais ao corpo, quase no limiar da asfixia. Não quero saber se vou herdar hematomas nas partes do corpo apertadas pelo cinto de segurança. Será o seguro de vida contra a demência da montanha russa.
Ainda não tive tempo de me interrogar por que fui embarcadiço na montanha russa, se agora o arrependimento tem vociferação audível no vernáculo que o pensamento segreda. Não faz diferença. Agarro-me com toda a força ao cinto de segurança, à revelia das forças gravitacionais que deformam o corpo. 
O cinto de segurança cuidou da minha segurança, para aplauso no estertor do pesadelo.

Sem comentários: