23.4.20

Pensar fora da caixa


...And You Will Know Us By the Trail of Dead, “The Rest Will Follow”, in https://www.youtube.com/watch?v=5itgMTaJSo8
Fico intrigado quando alguém desafia a que se “pense fora da caixa”. Admitir que o pensamento labora dentro de uma caixa é uma confissão da limitação do pensamento. Diga-se: do pensamento que alguém limita às fronteiras da caixa, mas do próprio pensamento que se reclama fora da caixa. Se nos restringirmos a categorias herméticas, quem garante que os peticionários do pensamento fora da caixa não têm a sua caixa onde labora o pensamento?
É nestas alturas de sobressalto contínuo e coletivo que mais se investe para que o pensamento venha para fora da caixa. O que também me intriga. Quem se acomoda ao pensamento rotineiro, às mesmas sinapses que contribuem para as mesmas ideias e para as mesmas leituras do que se passa à sua volta? Fora dos tempos críticos é mais fácil a acomodação ao pensamento dentro da caixa. Para tempos normais, pensamento normal. Sem que as pessoas sejam capazes de dar conta como são mesquinhos intérpretes de um conformismo que só não é letal porque o pensamento que fica dentro das fronteiras do pensamento (dentro da caixa, portanto) não agride mais ninguém a não ser o seu fautor. Dir-se-ia, contra esta maré enfadonha, em protesto contra a normalidade e as baias estreitas do pensamento a condizer: o pensamento, até nas épocas normais, não deve obedecer a fronteiras. Para não perder a validade enquanto pensamento. Um pensamento que se reproduz ao infinito deixa de ser pensamento. Passa a ser lugar-comum, mnemónica dos acomodados, o plágio mais banal.
Deve o pensamento sair da caixa? Não estou seguro de que assim seja. Independentemente de a maré ser de feição ou de ser ter posto um mar tumultuoso. Se o pensamento sai da caixa, quem nos convence que ele não é aquartelado noutra caixa? É o que costuma acontecer com os ascetas do “pensamento fora da caixa”. É pensamento fora da caixa para os cânones. Mas está aprisionado noutra caixa, com outras paredes e outra semântica, com alinhavos diferentes. Mas é sempre uma caixa. Outra caixa. O pensamento fora da caixa não deixa de ser um pensamento dentro de outra caixa. Caixa por caixa, não se há de notar a diferença – a não ser pelos partidários da caixa fora da caixa e pelos que saírem da zona de conforto e experimentarem o pensamento fora da outrora sua caixa. 
O pensamento devia-se emancipar do pensamento para ver em que cais podia fundear, sem deixar de ser pensamento. Sem estigmas, nem preconceitos, nem regras e esquadros metodicamente cingidos, sem a pulsão de destinar aos escombros o pensamento não perfilhado, sem haver um pensamento que desafia outros pensamentos para lhes ostentar a sua superioridade. Devíamo-nos contentar com o pensamento, o singelo pensamento. Sem rótulos, nem baraços, nem linhas geométricas, nem fronteiras escondidas atrás de fortalezas. Não devia haver pensamentos, na pluralidade. Apenas pensamento – meta-pensamento. Nem que mais não fosse, para não sermos invadidos, nas marés vivas que nos sobressaltam, por iluminados que peticionam (e patrocinam) um pensamento fora da caixa.

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