22.4.20

Do otimismo patogénico


The Fall, “Wings”, in https://www.youtube.com/watch?v=6m2lfk4Bm34
Opúsculos com prolixa propaganda sobre a felicidade perene. A soi-disant positividade da vida. Transpiram boa disposição, os seus arautos. É tanta a jovialidade que consegue ser enjoativa. De tal arte que nem o distanciamento preventivo dos militantes do pessimismo impede que estas sombrias personagens sejam adoráveis, em plano comparativo com os otimistas descomprometidos.
Tudo tem de ser encarado com um largo sorriso a enfeitar o rosto. Dizem: dê por onde der, há sempre um lado sorridente da vida, uma faceta que nos sorri mesmo que estejamos apoquentados por um ror de contrariedades. Viver é a essência máxima. Só de vivermos, tudo o resto compensa. Nem que seja porque o amanhã que nos espera só pode ser melhor. Somos nós que o industriamos. Somos os arquitetos únicos da vida que levamos. Temos o fado nas mãos. Cabe-nos cinzelá-lo com as cores encantadores que se emprestam à existência. Para luto há de chegar o da finitude da vida.
Este otimismo é enervante. Uma falácia. Não, o nosso viver não depende apenas de nós. Há toda uma constelação de circunstâncias que nos são exteriores e que, por vezes, parecem conspirar contra nós. Quando somos golpeados pelos contratempos que nos esperam sem pré-aviso, temos de cristãmente dar a outra face do rosto e prosseguir com um sorriso como se nada de mal houvesse acontecido? Ou, visto por outro ângulo: os apóstolos da felicidade perene, os que apascentam a positividade inquebrantável da vida, não são assaltados por perplexidades excruciantes, por dores vividas no tempo presente, por desenlaces que desencravam um pedaço de infelicidade? 
Só os que acreditam em vidas perfeitas – ou na perfeição ao alcance das pessoas – ousarão responder afirmativamente. Se a resposta à última interrogação for negativa, concluir-se-á que os apóstolos do otimismo imorredoiro são uns fingidores. Fingem que não têm males a arquear sobre o seu dorso. Fingem que só saboreiam as coisas boas. E o pior é que o sorriso inapagável, a felicidade tão contagiante que chega a cansar, é um fingimento ciclópico: estão-se a enganar a si mesmos. 

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