Não é o arreio que te mantém no comando do cavalo. Em defesa da tua destreza, és reconhecido como exímio cavaleiro. Andas pelos campos em demanda contínua, e falas amiúde com o rocinante. Às vezes, o chão oferece ressaltos e um sobressalto assusta o rocinante. Ajustas o freio para o animal se aquietar. Ele sente o teu lampejo e sossega. E segues, imperturbável, enquanto a tarde desfila atrás das mosqueadas árvores já embebidas na primavera. Sabes que não estás a salvo de um contratempo e nem a destreza reduz a sua probabilidade. Não há cavaleiro que nunca tenha caído do cavalo. Tu já tiveste a tua conta. “Graças a Deus” (dizes, enquanto te persignas e diriges o olhar ao céu) “nunca tive das quedas a visita ao hospital como derivado.” (naquele linguajar que te é próprio, uma fusão de discurso coloquial e gongórico com atropelos à gramática). Sabes que cair do cavalo não te deixa apeado. Pois o rocinante não prossegue sem te sentir sobre a sela. Oxalá os pueris aprendessem que as contrariedades não os eliminam do jogo do mundo. O chão pode doer. Mas tem as suas propriedades medicinais. Apendemos com o chão para onde os ossos são atirados. Aprendemos a cair (e este devia ser o começo de conversa): se não, os ossos ficam à mercê de fraturas. Esse chão é um santuário de oportunidades. Dizem os antigos que de cada vez que se cai do cavalo é de maneira diferente. E o chão nunca é igual. Ainda que uma coincidência determine a queda do cavalo num lugar onde já se tinha caído, a queda é diferente. Mesmo que seja o mesmo chão, a maneira como o corpo é arrojado ao chão é diferente. Até com isso podiam os pueris aprender.
1.4.21
Cair do cavalo e aproveitar o chão (short stories #308)
Ólafur Arnalds, “Zero”, in https://www.youtube.com/watch?v=3qP6LU_MBhU
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