O supremo mandatário do tempo era o que não vacilava no momento da verdade. E o que é o “momento da verdade”, se ninguém tutela a verdade por manifesta impossibilidade da sua consagração? Nem que pusessem todos os cidadãos de atalaia, esquadrinhando de perto os meandros do cordão umbilical da verdade. Pois, logo de seguida, acusariam estes penhores da atalaia contínua de serem partes interessadas. E se não fossem partes e muito menos interessadas? Não estariam dispostos nas labaredas da atalaia. Podiam, por exemplo, pôr o sono em dia em vez de se prestarem à contínua atalaia. Mas quem pode dizer o que é o sono em dia, se ele acontece à noite para a maioria das pessoas? Os arquitetos do idioma deviam repensar as bitolas por que aferem as expressões idiomáticas. Não andariam mal se revissem o critério e anunciassem que doravante se diria “pôr o sono em noite”. Pois desse modo poderiam todos estar de atalaia mesmo enquanto põem o sono em noite. A atalaia também tem o sono reparador como conciliábulo. Só os sonâmbulos (por adulteração do sono) e os assaltados pela insónia (por óbvios motivos) ficariam longe da verificação da verdade. Seriam considerados ineptos para a vigilância contínua. Não contassem com eles para o apuramento da verdade. O que deles não fazia marionetas da mitomania. Nem tudo o que reluz é binário, convém ter como lembrança perene. Insones e sonâmbulos não seriam mandatários do tempo. Conseguiriam circundá-lo, para de seguida o atarem com as cordas grossas manuseadas pelos seus dedos insuspeitos. Estariam de atalaia, à sua maneira, fora da atalaia dos que foram alistados na vigilância lacrada com selo oficial. Não se importavam. Uns, por desacreditarem a verdade e, logo, a vigilância em seu nome. Outros, por não quererem ser misturados com a realidade pungente.
31.3.21
Atalaia (short stories #307)
Dry Cleaning, “Unsmart Lady”, in https://www.youtube.com/watch?v=--gEZsKFoj0
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