Fernando Gomes na administração da Galp; Nuno Cardoso como administrador das Águas de Portugal. As notícias são dadas com toda a naturalidade. Alguns políticos da oposição manifestam a sua indignação. Cospem para o ar, sabendo que o que salivaram sobre eles tomba quando inverter a trajectória. Não são os políticos que devem lamentar semelhantes nomeações. Porque os partidos estão irmanados numa lamentável cumplicidade quando toca a distribuir as generosas alcavalas em empresas onde o Estado participa. Todos bebem na fonte inquinada. Todos ficam manchados pela vergonha da dança dos gestores públicos (nem todos: os comunistas e os bloquistas ainda não chegaram lá).
Esta é a terra em que há servidores da causa pública que ficam na prateleira das sinecuras políticas. Elas não chegam para todos. Entre a turba que se coloca em bicos de pés à espera de abarbatar a regalia que se segue, alguns ficam chamuscados e perdem terreno. São os pobres marginalizados, depois do estrelato dos tempos idos. A incúria, a inépcia, a incompetência, a soberba – algumas destas coisas, ou todas elas juntas, encomendam as personagens ao antro do esquecimento público. Como recompensa “pelos serviços prestados”, está-lhes destinada uma prateleira de ouro. Em vez de ocuparem um cargo político são relegados para a gestão de empresas públicas, com salários principescos, superiores aos de qualquer cargo político. E eis como a classe política encontrou meio de premiar com reforma dourada os medíocres que fizeram tanta mossa na vida política.
O critério não é o mérito. Vale a militância partidária, os sacrifícios que esta gente fez em favor do partido. Importa premiar os derrotados políticos, que num país que fosse democraticamente maduro já estariam votados ao esquecimento. Politicamente mortos, restar-lhes-ia fazer pela vida. Lutar em condições de igualdade com tantos outros que, vindos do anonimato, se desunham para mostrar valor. Aqui é diferente. Na dúvida entre uma pessoa com curriculum profissional mas virgem de experiência política e um incompetente que passeou a sua incúria pelos meandros da política, os detentores do poder não hesitam em escolher o segundo.
Os resultados são conhecidos. Gestão danosa das empresas públicas, buracos financeiros atrás de buracos financeiros. Fermenta uma casta de “gestores públicos” (condição malsã…) que pula de empresa pública em empresa pública, desbaratando o erário do Estado numa gestão ausente de racionalidade económica. É fácil gerir empresas que “são de todos nós”: há prémios de produtividade pelos eventuais lucros, mas não há penalizações se a empresa tem prejuízos. É um sossego ser “gestor público”. Sabem que não interessa avaliar o seu desempenho; o salário avultado, esse está garantido ao fim do mês. Se a coisa correr mal e mais um buraco financeiro for cavado, o dinheiro de todos nós há-de ser desviado para a compensação devida.
Como se não bastasse o elogio da mediocridade na escolha de “gestores públicos”, outro aspecto intrigante: se são demitidos antes do tempo, está-lhes reservada choruda indemnização. É verdade que a indemnização é devida porque o proprietário Estado não respeita a sua parte do contrato. Mas se o “gestor público” for demitido porque não existe contentamento com o seu desempenho, não se entra no domínio da justa causa? E, havendo justa causa, porque fazer a transferência bancária que coloca na conta do felizardo a suculenta indemnização?
Chegamos a um ponto em que os “gestores públicos” tudo fazem para serem destituídos antes do tempo. Porque sabem que recolhem a indemnização generosa (falava-se de uma compensação de 500.000 € para cada administrador da Galp que vai ser afastado…). Ou seja: compensa ser incompetente, sabendo, como sabem, que a incompetência – não o mérito – dá direito à indemnização astronómica quando são afastados antes de cumprida a totalidade do contrato.
Faz-me lembrar os treinadores de futebol demitidos sem acordo para a rescisão do contrato. O clube tem de pagar o correspondente ao contrato que ficou por cumprir, mesmo que o treinador tenha frustrado as expectativas e os resultados tenham sido decepcionantes. Como os treinadores que andam na ribalta arranjam emprego com uma certa facilidade, ser inábil dá os seus frutos: num ano podem receber remunerações que correspondem a mais do que um ano de contrato; basta serem demitidos, receberem a indemnização a que têm direito, e depois encontrarem outra equipa para treinar.
O nivelamento por baixo no seu expoente máximo!