Há pessoas que não nascem fadadas para certas tarefas. Já que estamos em plenos jogos olímpicos de Inverno, vem à lembrança a quase ausência de atletas portuguesas no historial da competição. Somos latinos, temos um pequeno oásis de montanha com neve na Serra da Estrela e poucos hábitos de deslizar de esquis. Pode ser que daqui a trinta anos haja mais atletas lusitanos a competir nos jogos olímpicos de Inverno; como agora é moda esquiar pelas estâncias de Espanha, França, Suíça e Itália, veremos até que ponto o hobby se converte em predicados de alta competição, ou se ficamos pela vertente lúdica.
Outros povos não são atreitos a manifestações tão vulgares noutros locais. Não estou a ver islandeses em competições de surf. Não imagino suíços e austríacos em concursos de pesca em alto mar. Ou árabes como rivais de ingleses boémios num dos seus desportos favoritos de fim-de-semana – as bebedeiras descomunais. Entre as incompatibilidades genéticas há uma que acho deliciosa e perturbante ao mesmo tempo: os espanhóis não conseguem falar um inglês inteligível.
É raro encontrar um espanhol que consiga falar inglês não poluído pelo acentuado sotaque castelhano. Ou por experiência pessoal, ou por relatos de amigos, há histórias cómicas, tanta a falta de jeito para comunicarem na língua inglesa. Das minhas participações em congressos no estrangeiro, são inúmeros os exemplos de oradores espanhóis com uma grande dificuldade em passar a mensagem.
É simultaneamente divertido e angustiante. Fico embevecido com as suas figuras ridículas quando esboçam a articulação de umas frases em inglês; não fosse este um dos povos mais chauvinista que conheço, mais altivo na defesa da espanhola maneira de ser. Ficam expostos ao embaraço perante os outros quando tentam falar inglês. Por outro lado, sou tomado por um instinto de comiseração porque, afinal, sempre é o povo que está mais próximo de nós – assim o ditam os caprichos da geografia. Quando olho em redor e reparo na audiência, atónita, libertando esgares de incompreensão quando escuta as palavras debitadas, e quando reparo na dificuldade com que os vizinhos espanhóis tentam comunicar, um assomo de solidariedade emerge.
Um amigo que trabalhava numa multinacional contou-me histórias de levar às lágrimas. Em reuniões de trabalho com os representantes da empresa em vários países europeus, o meu amigo fazia de tradutor dos espanhóis. Os outros já estavam habituados ao papel desempenhado pelo seu colega português. Quando os espanhóis tentavam dizer alguma coisa em inglês, o meu amigo tinha que traduzir o inglês-castelhano para inglês compreensível.
Testemunhei o episódio mais bizarro num hospital no sul de Espanha. Uma antiga namorada decidira recordar os tempos de patinadora. Em má altura: ao fim de cinco minutos estava estatelada no chão com fortes dores num tornozelo. Levei-a à urgência do hospital mais próximo, onde fez radiografias que foram analisadas por uma equipa de três ortopedistas. O chefe de equipa, com ar de catedrático que costuma ir a congressos internacionais da especialidade, entrou em diálogo comigo e reparou que eu era português. O médico preferia falar em inglês, porque, dizia, a comunicação seria mais fácil do que se ele falasse em espanhol e eu em português. Quando sintonizou a língua inglesa acabou-se a comunicação entre nós, tão estranhas eram aquelas palavras que soavam a qualquer coisa menos a inglês.
Esta incompetência linguística é mais intrigante porque nativos de países latino-americanos se conseguem fazer perceber em inglês. Os mexicanos falam um inglês escorreito, apenas com um ligeiro sotaque que deixa perceber as suas influências hispânicas. Descontar-se-á o facto dos mexicanos viverem paredes-meias com os Estados Unidos. A proximidade geográfica não explica tudo. Os restantes povos latino-americanos conseguem falar um inglês perceptível. Arte que os espanhóis estão longe de alcançar. O sotaque de um espanhol é diferente do sotaque de um latino-americano – menos cerrado, sem os “cês” de sopinha de massa que tantos engulhos causam quando se esforçam por falar em língua inglesa. Talvez seja esta a explicação. Ou a tendência ancestral de se considerarem um povo acima dos demais, num chauvinismo que nem os tempos modernos tem capacidade para levar à erosão.
2 comentários:
Béri nai, béri nai!
Só de ler vieram-me as lágrimas aos olhos!
Acrescento ao teu rol a língua alemã, com a qual os nuestros hermanos também têm dificuldades. Ouvi-los é igualmente hilariante. A pobreza fonética que se vive aqui ao lado coloca-lhes sérios entraves à comunicação noutras línguas, e o facto de toda a comunicação escrita e falada ser em castelhano também não ajuda.
Por exemplo, a célebre vizinha espanhola não vai ao cinema em Portugal porque não consegue ler as legendas e seguir o enredo do filme ao mesmo tempo!
O amigo vai estar por terras vizinhas até miercoles.
A ti, um grande Ankiu béri matxe por este texto!
Nós por cá continuamos,
CP, pelos caminhos de Portugal
Olá,
Sou brasileira falo um inglês compreensível mas também tenho sotaque. Aliás todos quando falam um idioma diferente do seu idioma natal tem sotaque. (exceto as crianças, principalmente quando aprendem duas ou mais linguas logo na primeira infância)
É mesmo complicado o caso dos espanhóis com o inglês porque são línguas que possuem uma fonética quase oposta, a pronúncia do inglês na maioria das vezes é para cima e a do espanhol é para baixo.
Percebo também no seu texto uma certa rivalidade luso-hispânica...tudo bem, no Brasil também temos a rivalidade Brasil-Argentina...
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