10.2.06

Se tivesse um restaurante chamava-lhe “Colesterol”

Um forte elogio para o espírito de missão da brigada de costumes que não se cansa de advertir para males que perturbam a saúde pública: é o tabaco, a alimentação desregrada, a falta de exercício físico que semeia doenças cardiovasculares. Um cardápio interminável que leva pressurosos guardiães do bem alheio a um acto tão intenso de generosidade. Ainda que (quantas vezes?) quem dá a cara pelo anti-tabagismo seja um bom garfo, quem chama a atenção para uma alimentação cheia de gordura termine a noite com um belo charuto acompanhado por vários whisky velhos, cultivando o sedentarismo que faz os corpos crescer para vários lados ao mesmo tempo, colonizados por avantajadas adiposidades.

Os tempos que correm são terreno fértil para dar lições de moralidade aos outros, ainda que essas lições tivessem que ser aplicadas em primeiro lugar a quem as prega. O tão conhecido “olha para o que eu digo, não para o que eu faço”. Pela parte que me toca, não fumador e praticante (dizem-me, compulsivo) de exercício físico, fico à mercê das vigilantes brigadas no capítulo da alimentação. Agradeço a atenção que dedicam a quem morre pela boca. É atenção que dispenso quando a campanha atinge a exaustão e se serve de uma retórica que instala o terror nos gourmets enredados na pecaminosa gula.

Nada contra campanhas de informação sobre alimentos que fazem mal à saúde. Ainda que por vezes desconfie do rigor da informação, pois nisto da ciência o que hoje é verdadeiro deixa de o ser amanhã. Com frequência leio relatos alternativos: que os fritos não são prejudiciais à saúde, que o chocolate em doses generosas tem predicados, que o álcool não é a dramática história dos milhões de neurónios destruídos. Fico sem saber qual a informação verdadeira: se a das brigadas do fascismo higiénico que nos querem empurrar para uma vida sem sal, ou a dos cientistas que desmistificam as regras do bem comer.

Na dúvida, vou deixando vingar o instinto. Pecando pela boca, na empatia com as comezainas que são a antítese da cozinha saudável. De que serve adiar maleitas dolorosas ou fatais se o preço desse adiamento é uma vida alimentar asséptica? Entre penar longos anos na abstinência dos sabores para prolongar a vida saudável e mergulhar nos prazeres gustativos de banquetes cheios de colesterol, prefiro a segunda opção. Agradeço a informação dos atenciosos defensores dos “bons hábitos alimentares”. Como também agradeço que se limitem a passar informação sem o terrorismo sanitário que leva à abdicação do livre arbítrio. Acaso alguém tem a ver alguma coisa com o facto de me deliciar com assíduas e fartas francesinhas, ou um bacalhau impregnado de azeite, uma entremeada esturricada com o pingo a soltar-se da outrora esbranquiçada gordura, as petingas (oh, infanticídio piscícola!) fritas em óleo que já foi límpido há vários dias, os ovos-moles que entram em catadupa goela abaixo, um tiramisú com o toque sublime do queijo mascarpone e do rum vertido nos palitos La Reine?

No pódio do fascismo higiénico está a sanha que persegue os compulsivos fumadores. Como não fumador, apenas me incomodo com o fumo do tabaco quando um distraído fumador solta baforadas da mesa do lado para cima da minha refeição. Tirando esse caso, apetece-se sacar de um cigarro quando ouço o moralismo de enfatuados pregadores do anti-tabagismo. Como não são fumador, incomoda-me mais a campanha em prol de uma alimentação saudável, uma campanha menos ruidosa. A reacção é a mesma: quanto mais barulho fazem na denúncia do que não devemos ingerir, mais tenho vontade de sentar à mesa do tasco mais próximo para me empanturrar com petiscos cheiinhos de gorduras multi-saturadas.

Talvez seja o meu mau feito a falar. Ou apenas a recusa de ser tratado como mais uma ovelha de um ordeiro rebanho, do rebanho que os diligentes pastores do fascismo higiénico se envaidecem, lá no seu íntimo, de conduzir pelo “bom caminho”.

1 comentário:

Anónimo disse...

Há uma promessa de polvo assado para um certo fds a sul, preparado pelo mestre Savimbi, na comemoração de mais um inverno agora reformado de um certo marinheiro...

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