16.2.06

A malta de direita (ou porque não sou “de direita”)

Os rótulos, quando envolvem dicotomias, são uma armadilha. Para quem os coloca e para os que são arquivados na rotulagem fácil. Por exemplo, a tentação de olhar para as pessoas, e para cada um de nós, como alguém que é “de esquerda” ou “de direita”. Às vezes a catalogação emerge por exclusão de partes: quando me insurjo contra os disparates que as esquerdas vão pregando, colam-me logo o rótulo: “é de direita”. Se por acaso defendo a total liberalização das drogas (duras e leves, orgânicas ou sintéticas), sou empurrado para “a esquerda”. Ando assim, aos trambolhões, como se fosse uma bola de pingue-pongue atirada de um lado para o outro da rede.

Um dia, uma colega confidenciou-me a sua surpresa quando um aluno lhe disse que eu era “de esquerda”. Conhecendo a minha fama, ela ficou atordoada com a análise do aluno. Perguntou-lhe se eu era aquela pessoa a quem o aluno se referia. Podia dar-se o caso de estar a confundir o nome com outra cara. Pela descrição pormenorizada do aluno, não havia equívoco: era eu, o “tipo de esquerda”. Fiquei mais espantado do que a minha colega. Se há coisa que faço tenção de afirmar a pés juntos é que não sou um navegante das águas das esquerdas – no plural, que as consigo distinguir pelas suas diferenças. Poderei defender soluções tradicionalmente rejeitadas pela “direita”. O que não faz de mim um esquerdista convicto.

O largo intróito serve para entrar no assunto: as peças que enfeitam a “direita” caseira são tão folclóricas que, não fossem as adesões ideológicas espontâneas à outra banda, isso bastava para perceber porque têm que existir as não menos folclóricas esquerdas lusitanas. O protótipo do homem e da mulher “de direita” gera um retrato escorreito. Em comum, pessoas que se aninham pelo CDS e pelos quadrantes mais “liberais” (na utilização errónea que se dá ao conceito) do PSD.

Rejeitam o marxismo e as suas degenerescências diversas. Estão contra o peso excessivo de um monstro chamado Estado. Quando têm a oportunidade de se banquetearem na lauta refeição do poder não se diferenciam das esquerdas que engordam o paquiderme: dependentes da teta do Estado, incapazes de o emagrecer. São os apóstolos da iniciativa privada, mas reclamam intervenções dos poderes públicos para resguardar os centros de decisão nacional. Vivem mergulhados em conceitos ultrapassados – a nação, a soberania nacional, a importância dos símbolos nacionais (o amor à bandeira, o interesse nacional encapotado nos seus interesses paroquiais, etc.). Um vasto oceano de incongruências.

Os homens são distintos representantes da arte machista, nuns caos, marialva, noutros. Afirmam, com indisfarçável garbo, que os sexos são diferentes e um desígnio natural (quando não divino…) votou as mulheres à condição de sexo fraco. Endeusam as mães dos seus filhos e procuram amparo exterior para os devaneios carnais. Praticam, com abundância, um discurso moral, uma ética pregada para os outros e esquecida nas palavras que se soltam boca fora; uma moral que não se aplica a eles mesmos. E gostam de touradas e de caça. Atributos de um homem que só é homem de corpo inteiro se tratar mal as mulheres, arrotar entusiasmo com as sevícias praticadas em inocentes touros, e disparar uns chumbos que ceifam a fauna que teve a desdita de encontrar pousio nas coutadas e reservas associativas.

As mulheres de “direita” são espécimes raros. Elas existem, mas são pouco vistas na órbita pública. Por definição, estão remetidas ao remanso do lar, às lides domésticas. As coisas públicas são sérias de mais para as mulheres conseguirem sequer percebê-las, quanto mais sobre elas agir. Para o típico homem de “direita”, as discussões com mulheres não espicaçam o intelecto, porque as mulheres são de casta intelectual inferior (mesmo que um destituído mental perceba que o homem em causa nem aos calcanhares da interlocutora chega). Apoucam as mulheres quando elas lhes barram o caminho, como pedras salientes da calçada, um estorvo à sua cómoda caminhada.

Quando os vejo em desfile mediático, apetece-me correr para os braços de uma esquerda qualquer. Resisto. Desse lado o panorama não é melhor. Remeto-me a uma orfandade de referências. Não é angústia dolorosa. Prefiro cultivar a independência das ideias.

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