8.2.06

É o tempo que não abranda

Nem a vida demora. Cada passo em frente parece o caminho percorrido que se aproxima de um abismo. Não há tempo para olhar para trás, tanta a urgência de cumprir o relógio que só sabe marchar no sentido do futuro. Quando, depois, a nostalgia reclama um lugar, por um instante que seja, lugar apenas para sentir que o tempo voa sem que se deixe segurar nas pontas dos dedos.

Na urgência do modo, a sede de viver a vida, arrebatada, apaixonada, intensa. Muitas coisas no mesmo tempo, outras tantas apenas registadas nos planos por cumprir. Os adeus que ficaram por dizer, as palavras que deviam ter sido ditas, as tantas coisas idealizadas que nunca disso passaram. Quando a voragem do relógio amansa a pressa por uns instantes, sente-se que há um algo que falta para aprimorar o que ficou lá atrás, no registo das memórias. Alguém sussurra que à vida falta decantação. Esbarro nas borras que vêm à tona, as necessárias impurezas de um percurso imperfeito. Razão para o descontentamento, como se pudesse voltar com a página atrás e corrigir as letras impressas que saíram imutáveis da tipografia que teceu aquele livro.

Uma tensão permanente, a dialéctica entre o tempo cristalizado e o tempo desconhecido que quero captar em todos os instantes. Por mais que anua que o tempo das memórias é uma clepsidra inútil, mais o impulso para rever o que já foi vivido. Como se fosse o fio inquebrantável que se tece desde antanho até ao agora. Resta a sensação amarga de não saber o que fazer com as memórias – as boas, as más, as neutras. O apelo à nostalgia é mais forte umas vezes, ausente noutras. Acaso a mentalização rotina o convencimento de que só interessa o tempo que vem pela frente, e que escasseia a cada dia que passa, mais são as vezes que um irreprimível apelo de olhar para trás semeia o desconforto: a revisitação dos tempos idos, um inútil desgaste do tempo que resta.

É perene a vida latejante, o estranho relógio que teima em dobrar a folha do calendário quando se cumprem as vinte e quatro horas convencionadas. Não fosse razão de angústia, sobra ainda o conflito do sono, do tempo gasto no descanso da mente. Uma hibernação que esconde horas perdidas no temporário encerramento dos olhos. Organismo imperfeito, este que carece de algumas horas de sono. Não podem os apressados regozijar-se com a sua natureza: corpos curtidos pelo cansaço dos dias, imersos no sono, parênteses da vida no tempo gasto com o esbanjamento do sono. Como ansiava desligar-me do sono.

O dilema: correr o tempo com a vertigem dos ponteiros do relógio, competindo com eles, para ver quem passa mais depressa pelo tempo; ou ir repousado, no desprendimento da urgência, sem apressar a vida por ser ausente o temor da prematura despedida. Viver à velocidade vertiginosa de quem receia que no desencantamento definitivo muito tenha ficado por fazer; ou deixar vogar o navio na serenidade das águas calmas, movimentos sempre singelos, bebendo a acalmia das águas que o navio vai tragando, sem soprar tempestades que turvam as bonançosas águas. Viver tudo e depressa; ou prolongar a vida até provecta idade, sem tempo para o arrependimento para o tanto que haveria de ser feito outra tivesse sido a ambição de uma frenética vida.

Na dúvida dilemática, a certeza de que o tempo não tem regresso. Umas vezes a sensação de que ele viaja depressa demais, com a amargura de intuir que tanto fica por cumprir, mesmo na alucinante forma de viver de quem tanto suga do que a vida lhe oferta. Outras vezes, um saudável desprendimento das horas e dos dias, a decantação que separa a imperfeição das urgências. Lugar-comum tão estafado: a diferença entre a quantidade e qualidade das coisas que desfilam perante os nossos olhos. E, como tantas vezes, a lucidez de perceber que é tanto o tempo em que o percurso escolhido não é acertado.

2 comentários:

Anónimo disse...

Mau!
Um artigo sem referência ao Horácio?
Assim não consegue audiências...

Parque das Nações

Anónimo disse...

Tá ligado outra vez à máquina... respiração assistida!!
Só lá vai com uma piadazita ao mais fino estilo do "turbante rastilho", para que a coisa volte a bombar oxigénio...
Mais de resto... mais vale partir as costelas flutuantes...


Aventraça