28.2.06

A brigada dos bons costumes volta a atacar

Um sindicalista protestava. Desta vez com razão. Denunciava os códigos de conduta que certas empresas impõem aos trabalhadores, com regras detalhadas sobre a indumentária aconselhada e o vestuário não permitido. O sindicalista asseverava: estes códigos de conduta são um atentado contra os direitos de personalidade que a Constituição garante.

Olha-se em redor e o que se vê? Interferências sem fim na maneira de ser das pessoas. Como se não bastasse a bebedeira de leis que afina o nosso comportamento nos aspectos mais insignificantes, como se não fosse suficiente seremos conduzidos por um exército de engenheiros sociais que levam o colectivo pelo bom caminho, agora até as empresas deslizam para a mesma prática. Um contra-senso: quando as empresas reivindicam menos intervenção do Estado no mercado, eis que surge um punhado de visionários empresários (ou gestores de recursos humanos, o sucedâneo dos engenheiros sociais à micro-escala das empresas) com medidas que entram na intimidade de cada pessoa que aí trabalha.

Para variar, o sindicalista está cheio de razão quando invoca o atropelo dos direitos de personalidade. Quando a empresa estabelece o fato e gravata como indumentária oficial masculina, que as gravatas não podem ter cores garridas, que as peúgas devem ser de cano alto para que os homens não fiquem com as pilosidades da barriga das pernas à mostra; e quando fica vertido em regra que as senhoras devem vestir o tailleur da praxe e saias que não exponham as pernas à curiosidade dos colegas, quando tudo isto sucede pergunto-me o que virá a seguir.

Nisto devia imperar o bom senso – de quem zela pela eficácia de quem trabalha na empresa e dos trabalhadores. Se fosse o dono de uma empresa (ou o científico gestor de recursos humanos), pouco me importava a indumentária da mão-de-obra. Desde que fossem eficazes e passassem na prova da satisfação produtiva, esfregava as mãos de contentamento sem olhar para os trajes dos assalariados. É o estigma do aspecto exterior que continua a ditar regras. Em vez de se ajuizarem as qualidades intrínsecas, a primeira ideia com que se fica é a exibida pela roupa envergada pelo trabalhador. Quantas vezes cruzamos com um aprumado empregado que tresanda a incompetência, apesar de cumprir os requisitos do código de conduta que impõe as normas da boa apresentação? E quantas vezes o colega do lado, descuidado na apresentação, desempenha melhor mas fica prejudicado pela aparência exterior não condizer com os cânones definidos?

Certas funções exigem um suplemento de atenção à aparência. É para isso que existem fardamentos. Noutros casos, a ideia preconcebida da indumentária indicada é nada mais do que cinzentismo. Ou a força das convenções sociais, que leva um zeloso defensor das ditas a olhar com indignação para um funcionário bancário se, no serviço ao balcão, ele não se apresenta com a vulgar fatiota. Apetece perguntar a estes vigilantes servidores das brigadas de bons costumes: preferem um educado e competente atendimento de alguém que não segue as normas de vestuário, ou um atendimento impessoal, quantas vezes antipático e incompetente, de alguém que respeita os usos da fatiota que se deve pôr para agradar ao chefe e ao cliente?

Quando tomo conhecimento de várias empresas que impõem os códigos de conduta quanto ao vestuário, é a perplexidade que fala mais alto. Por entre o cerco ao livre arbítrio, por entre mais um grosseiro atropelo aos direitos de personalidade que fazem parte da individualidade que devia ser inexpugnável, hão-de surgir outras invenções. Por agora, o vestuário que têm que envergar, as roupas banidas. Doravante, o que mais? A vigilância aos filmes, à música, aos livros, aos locais nocturnos, à comida que ingerimos?

Podem pensar que exagero nos exemplos. Quando me recordo de um episódio passado há meses, não fico tão seguro que esteja apenas a fantasiar. Um funcionário de uma organização internacional com sede em Genebra foi despedido quando se descobriu que fumava dentro de casa. Sublinho, dentro da sua própria casa! A organização internacional foi longe na fobia antitabagista: na política de recrutamento de pessoal, um dos critérios é o não consumo de tabaco. Ao que consta, deve ter detectives ao serviço para se certificar que os funcionários não cometem o mínimo deslize, nem que seja na intimidade das quatros paredes das residências. Já não há certezas, nem do que é seguro como intimidade.

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