Vai um grande pé-de-vento por causa da publicação de doze cartoons que caricaturavam Maomé. A publicação foi feita num pequeno jornal dinamarquês. Quando as ondas de choque se começaram a fazer sentir, as caricaturas foram reproduzidas um pouco por toda a Europa. Os árabes sentiram-se ofendidos e os tumultos não demoraram. Agora debatem-se os limites à liberdade de expressão: serão aceitáveis para não beliscar crenças religiosas? Uma ténue fronteira: o respeito da liberdade religiosa exige restrições à liberdade de expressão? Ou será a liberdade de expressão um bem mais valioso?
Terreno movediço. Nem para os liberais, descomprometidos na análise das liberdades individuais, foi fácil fixar regras quanto aos limites. Dizem que a minha liberdade termina quando ela interfere com a liberdade de outra pessoa. Mais difícil é definir critérios objectivos para se saber quando a minha liberdade, puxada ao limite, entra na esfera da liberdade alheia. Quando a discussão é trazida para o plano da religião, e quando toca credos dominados por dogmas fundamentalistas, as verdades escapam-se entre os dedos tal como o vento.
De um lado e do outro, argumentos a reivindicar a razão. Não me custa reconhecer razão aos que defendem a liberdade de expressão como matriz da civilização que somos. Só lamento que os mesmos que vêm agora dar o peito contra as restrições à liberdade de expressão não se comportem sempre assim. Aceitam limitações à liberdade pessoal em nome da segurança, com a fobia anti-terrorista que nos domina. Não nego o perigo do terrorismo que ataca indiscriminadamente, ceifando a vida de inocentes. Só não consigo perceber a condescendência com travões à liberdade individual em nome da fobia securitária e depois defender, quais virgens ofendidas, a sagrada liberdade de expressão quando fervilha um conflito civilizacional que põe frente a frente o ocidente e os fanáticos crentes do islamismo.
O antagonismo está nas diferentes concepções do mundo. Quando, deste lado, empunhamos o valor da liberdade de expressão utilizamos uma linguagem que é desconhecida do outro lado. Do lado de lá, a prioridade é o respeito dos dogmas religiosos – e não me interessa saber se se trata de uma interpretação que perverte o Corão. Duas civilizações que falam linguagens diferentes, ancoradas em valores diferentes, com pouca sensibilidade para a compreensão recíproca, estão condenadas a viver de costas voltadas. Condenadas a mergulhar numa espiral de violência que não augura nada de bom.
Na minha escala de valores, a liberdade pessoal (onde se abriga a liberdade de expressão) vem antes da liberdade religiosa. Aceito que em caso de conflito a fronteira é volátil: não ofendo a liberdade pessoal daquelas pessoas que os meus cartoons retratam de forma depreciativa? Devo prescindir da minha liberdade de expressão porque vou ofender a crença dos que retrato de maneira acintosa? As respostas não são fáceis. Optar por um dos extremos implica o sacrifício de um valor que merece respeito. No limite, opto pela prioridade da liberdade de expressão. Desde que haja a consciência do preço a pagar quando a liberdade de expressão é levada ao limite.
No contexto destes cartoons, adivinhava-se a tempestade. Os árabes – e mais ainda os que levam a religião com o fervor fundamentalista – não aceitam que se amesquinhe Maomé. Na latência de um choque de civilizações que cresce de intensidade, o jornal dinamarquês, e todos os outros de maior tiragem que fizeram eco das caricaturas, sabiam o preço da publicação dos cartoons. Para os árabes atingidos, o sabor da blasfémia. Do lado de cá, apenas o exercício da liberdade de expressão. Sendo um liberal agnóstico, a liberdade de expressão tem mais valor do que a liberdade religiosa. Mas muitas vezes na vida temos que ser pragmáticos: e a menos que quisesse atear uma fogueira que ameaça tornar-se incontrolável, não ousaria publicar os cartoons, sabendo que o ódio que os fanáticos islâmicos alimentam pelo ocidente pode semear mais violência cega.
Por uma questão de princípios, estou ao lado dos que defendem a liberdade de expressão. Duvido, porém, que muitos deles tivessem o mesmo comportamento se, nas caricaturas, o alvo fosse o cristianismo.
Inquirido sobre o assunto, Horácio nada opinou, por desconhecimento de causa.
4 comentários:
Completamente de acordo;basta lembrar a censura latente sempre que a igreja católica é representada em cartoons ou quando são representados motivos religiosos em campanhas publicitárias.
Sobre este assunto veja-se os bichos carpinteiros aqui no blogspot.
Sim sou mesmo o Carter
Perdoai-lhes Senhor! Burro velho não aprende línguas...
Hmmmm... questão interessante sem dúvida!
Diria que o tamanho do chapéu da liberdade de expressão é talhado à medida do seu dono...
Peguemos num exemplo simples: Imaginemos que eu teço comentários, sejam de que espécie forem, sobre as características de pessoa A ou B, que conheci mal e porcamente através de um site de internet, site esse que por acaso pertence a um qualquer defensor acérrimo da liberdade de expressão e profundo conhecedor da temática do bicho carpinteiro. Estarei eu no domínio do exercício livre da minha liberdade de expressão? Esta minha liberdade de expressão será aceite de igual forma por alguém que exige a sua aceitação noutros contextos?
Avaliando os fdp's e outros considerandos espalhados pelos nirvanas, diria q n. Estaremos então num cenário de faz o q eu digo, n faças o q eu faço? Ou é simplesmente hipocrisia da pura e da dura!
Deixo à consideração dos sábios e dos iluminados...
As vizinhas da dona do cão de raça estranha, apesar de não fazerem parte da amostra e mesmo sem conhecimento de causa, parece terem sempre algo a dizer, de permeio com uma mirada na telenovela. Por entre um cházito verde e uma pastilhita rennie... que a azia ainda ataca.
Que raça mais estranha a deste cão.
Parque das Nações
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