Não gosto de pagar impostos. É coisa que me põe doente, à beira da apoplexia. É a custo que preencho a declaração do IRS. Sempre à espera de chegar à simulação, na ânsia de saber o montante da devolução, afinal a percepção de que andei onze meses a descontar dinheiro a mais, um empréstimo forçado ao Estado. Este ano, por causa da venda da casa, tenho o imposto de mais valias à perna. A administração fiscal adverte, em tom filantrópico, que “apenas” conta metade do valor da mais valia. Resta dizer que sobre o valor restante o contribuinte paga uma taxa de imposto de 25%!
As nuvens negras acastelam-se. Habituado a receber um reforço de rendimento com a devolução dos impostos pagos em excesso, este ano tenho a posição invertida: de credor passo a devedor. Como não quero arriscar a humilhação de ter o nome desvendado nas listas que o fisco vai divulgar – com os nomes dos cidadãos que têm impostos em falta – vou pagar. Nem quero pensar no dia da assinatura do cheque. O melhor é pedir à cara-metade para preencher o cheque.
De repente, sou assaltado por pensamentos perversos. Vejo nos impostos um roubo à propriedade privada, um atentado ao esforço do trabalho, um furto aos proventos que resultam da iniciativa individual. Reitero a ideia: o Estado cobrador de impostos é um Estado-ladrão. Por isso é que das maiores ambições que tenho é assentar vida no Mónaco, para não ter que prestar contas ao fisco de quanto ganho com o meu trabalho. Regresso aos pensamentos perversos que me invadem. Para quem vê o Estado como o ladrão do suor do trabalho, a actividade fiscal é uma forma escondida de terrorismo de Estado. Um terrorismo sem ter esse nome, porque somos educados (diria, formatados) na resignação de quem paga impostos por achar que é o preço de viver em sociedade, a factura necessária da civilização e da modernidade tão aprazíveis.
Na esteira da doutrina do ministro dos negócios estrangeiros, coloca-se a hipótese do contra-terrorismo fiscal. Passo a explicar a analogia. O Prof. Diogo opina, com a maior das naturalidades, que os fundamentalistas islâmicos têm todo o direito de protestar com a violência inusitada que é conhecida. O Prof. Freitas considera que fomos nós, ocidentais, que agredimos em primeiro lugar. O Prof. Amaral, do alto da sua sapiência catedrática que não admite contestação (pela catedrática condição que o eleva ao pedestal da verdade absoluta), conclui o espantoso raciocínio reconhecendo que os agredidos têm o direito de ripostar com violência. (O Prof. Diogo Freitas do Amaral só ainda não soube esclarecer quem nasceu primeiro, se o ovo ou a galinha: falta-lhe espetar a estaca que marca o início das hostilidades, para se perceber quem agrediu primeiro e se os ofendidos, por o serem, merecem condescendência pela reacção carregada de ódio e violência.)
Partindo do pressuposto que o Prof. Diogo tem sempre razão – não esquecer, é a catedrática veste – incorporo a tese e estico-a aos impostos. E delicio-me com a hipótese de milícias anti-impostos, constituídas por activistas militantes que se sentem ofendidos com a ditadura fiscal que os sufoca. É a tese do Prof. Freitas em todo o seu esplendor: os que se consideram espoliados pela mão abusiva do fisco são os agredidos; como ofendidos merecem reagir – sob pena de a democracia se açambarcar na unilateral distribuição de prebendas –, utilizam os meios necessários. Mesmo que aos olhos dos moderados os meios sejam desproporcionados.
As milícias espalhariam o terror pelas repartições de finanças. Os cobradores de impostos, os zelosos e antipáticos funcionários das repartições de finanças, jamais teriam descanso. De nada valia alegar a sua inocência, eles que são meros agentes ao serviço do terrorismo do Estado enquanto gatuno do esforço alheio. Esses funcionários levam a peito a arte de ceifar a evasão fiscal. São anti-corpos que levam a má notícia do roubo de património em nome dessa coisa inexistente que se chama igualdade, alcançada através da miragem da redistribuição de rendimentos através dos impostos. O velho aforismo comunista: os ricos que paguem a crise.
Na exaltação do contra-terrorismo fiscal, quem se arregimentasse nas milícias seria remetido à vida clandestina. Com treino militar de excelência, para o êxito da destruição paulatina da máquina fiscal do Estado. Para recuperar o dinheiro cobrado a título de impostos. Não se pode usar a palavra “roubo”, porque se trata de reaver o que já antes tinha sido roubado. (O destino da maquia recuperada é coisa que a imaginação do momento não conseguiu dar resposta). O ministro das finanças seria a pessoa com a maior entourage de gorilas protectores, a figura mais apetecível do contra-terrorismo fiscal. Na esperança que o movimento fosse recebendo mais e mais simpatia entre a população, afinal ciente que as milícias anti-impostos existem para defender os contribuintes dos roubos perpetrados pelo fisco.
De regresso à realidade, para observar a beleza do socialismo. Há impostos por tudo e mais alguma coisa. Até quando alguém morre, o património deixado aos sucessores se põe a jeito para a manápula cleptomaníaca do fisco. Da minha experiência de modesto proprietário de um apartamento revendido para comprar outra habitação, fica uma lição de vida: ser proprietário – ainda que de uma modesta habitação, afinal o luxo de ter um tecto para viver – é uma extravagância, medidas as alcavalas que o Estado exige (impostos: de selo, IMI, IMT, mais valias quando se dá o caso da revenda gerar um lucro – maldito mercado que revaloriza as casas, para gáudio do gordo fisco; mais os exorbitantes custos dos registos). A lição é esta: nas entrelinhas, o generoso Estado desaconselha-nos da condição de proprietário. Antes arrendatário e não ter que pagar a quantia gorda para todos aqueles impostos.
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