29.3.06

Diga 333

Anteontem o mediático primeiro-ministro apresentou um pacote de 333 medidas para desburocratizar a administração pública e simplificar as nossas vidas. Com um slogan bombástico: “simplex” é o nome de código. Continua a operação de cosmética que trata da imagem deste governo. Servida num embrulho sedutor. Um fartote de obra faraónica prometida para os anos vindouros, com pompa e solenidade que servem, quanto mais não seja, para abrilhantar a imagem do governo. Pelo meio, os fazedores da imagem passam lustro à imaginação. “Simplex” cheira a campanha de detergente que assevera que nenhum lava mais branco.

333 medidas. Porque não 332, ou 334, ou outro número qualquer – 137, 492, 263? Número redondo, 333, num laivo cabalístico que aprisiona o governo a um manto de superstição. Afinal 333 peca por defeito. Alguns ficaram atordoados pelo efeito espectacular. Não é todos os dias que o governo saca da cartola 333 medidas. Muita coisa para se anunciar de uma só vez. Há nesta campanha um efeito ilusório que escapa aos incautos. Se a modernização da administração pública, se a simplificação da vida dos utentes passasse por apenas 333 medidas, sinal de que a administração pública não está assim tão má. Quem julga que a doença é varrida debaixo do tapete com o efeito milagroso de 333 medidas vive num país diferente, ou não sabe o que é a administração pública portuguesa. Não seriam necessárias 3333 medidas, ou até 33333, para a reformar de cima a baixo?

Não bastava a encenação esplendorosa que entra nos lares de quem deseja andar informado, não bastavam os discursos cheios de palavreado mas despidos de conteúdo, e ainda tinha que apanhar com o Costa (o ministro irrepreensível, o que sabe tudo, o que não admite ser contrariado, o delfim do primeiro-ministro) numa exibição de humor que pede meças ao bolorento humor de caserna, ou do Parque Mayer. Disse o Costa, à espera das gargalhadas fartas da audiência de seguidores, que sabia que o seu chefe gosta de contribuir para a reciclagem de resíduos. Foi o mote para uma ideia peregrina: há os pontos verdes para reciclagem de lixos, há os pilhões, porque não contentores para a papelada que a burocracia do Estado vai dispensar depois das 333 medidas terem nascido?

(O Costa anunciou a medida como quem conta uma piada. Registe-se o clima de governação desanuviada, o toque de humor sublime com que estes rosas tentam desgovernar. Quem sabe se o estilo não faz seguidores? Fica-lhes uma compensação: quando deixarem de poluir com a sua existência governativa, têm pela frente uma promissora carreira de humoristas na televisão. Quando penso que há almas caridosas que sancionam o travo de humor como sinal de que o bafio da governação cinzenta pertence ao passado, detenho-me na perplexidade. Serei eu insensível ao humor sublime dos governantes que aliviam o exercício cinzento da governação? Ou estão eles, aprendizes de humoristas, confundidos nos planos – se querem fazer humor, inscrevam-se num concurso de stand-up comedy – imersos no lamentável espectáculo em que são palhaços de si mesmos? Aquele ar do Costa, a lançar a piada quando já esboçava o riso que era o mote para as gargalhadas sonoras do séquito, fez-me lembrar aquele personagem que se desfaz em gargalhadas com a sua própria piada, mesmo antes de a terminar.)

Como este governo é dado aos insondáveis mistérios da numerologia, deixo aqui o meu contributo para se ajuizar o destino do “simplex”. Quando se tira a prova dos nove a 333, o resultado é zero. O índice de competência do governo. E parece-me que a ambição desmedida de bolsar 333 medidas de jacto pode embrulhar este governo num grande 31.

Prometer é fácil. Cada vez mais a governação é um campeonato de promessas. Os governos prolongam a campanha eleitoral para a governação. É na campanha eleitoral que os candidatos se passeiam numa orgia de promessas. Promete-se tudo e mais alguma coisa, de preferência o irrealizável. Eleitos os que vão governar, continuam apoderados pelo vírus das promessas. Anúncios de medidas e mais medidas, quase sempre sem se chegar a ver o fundo ao tacho, sem que as prometidas medidas alguma vez tenham visto a luz do dia.

Marcamos encontro daqui a um par de anos, para saber quantas das 333 medidas funcionam.

1 comentário:

Anónimo disse...

Ilustre,

quer-me parecer que o seu discurso seria o mesmo fossem as medidas 3, 33, 333, 3333, and so on, o que atesta per si a validade do mesmo...

Cumprimentos.