Por estes dias uma tempestade desabou sobre a minha cabeça. Tenho ouvido interrogações como “se não gostas de fulano, gostas de quem?”, ou retumbantes sentenças como “és tão negativista”. À interrogação não sei dar resposta senão dizer “ninguém”. Ao devastador juízo de valor, à forma de ser que exala um estado permanente de crítica com laivos destrutivos, apenas total concordância.
É nestas alturas que dou conta do complexo VPV (Vasco Pulido Valente) que tomou conta de mim. Longe de mim querer rivalizar com a destreza do opinion maker. Sirvo-me dele apenas para tentar perceber o que circula nas minhas veias. Ao ler VPV noto um desconforto do tamanho do mundo, com as coisas e as pessoas. Um fel destilado de forma impiedosa, caricaturas demolidoras de quem se põe a jeito para as suas crónicas. Não há artigo de opinião escrito por VPV que elogie, aplauda, pinte o mundo de outra cor que não os matizes do cinzento e do preto. A forma é atractiva. Escreve como poucos, é singular na expressividade da mensagem.
Muitas vezes concordo com o retrato lancinante de VPV. Identifico-me com o negativismo militante, pelo logro das ilustres personalidades que teimam em gravitar na órbita do poder, dos negócios, da educação da opinião pública, enfim, do estrelato mediático. E, apesar da identificação substancial, cansa-me ler VPV por sentir que do mundo hermético que edificou para a sua vivência olha cá para fora e vomita o fel de quem se abespinha por tudo andar mal.
Repenso o que escrevo por aqui. O tom de crítica áspera, a impressão de que não há coisas ou pessoas para enaltecer, a teimosia em rejeitar a existência de heróis que sejam inspiradores. Revejo textos que misturam crítica destrutiva com sarcasmo. E tento, por um momento, sair de mim mesmo, simular que sou alguém que lê esses textos assinados por mim. Compreendo o cansaço de outras pessoas ao verem o débito de críticas, de lugares de desidentificação, de cultura do nada, um niilismo exacerbado e exasperante.
Há algo de intrigante neste exercício. Quando escrevo deixo-me entusiasmar pela febre do momento e a escrita sai fluida e veloz. Releio os textos antes de os tornar definitivos. A releitura permite encontrar erros, corrigir o estilo, cortar aqui e ali, acrescentar o que foi esquecido ao correr das teclas, repensar ideias vertidas no texto. Quando regresso a certos textos já apascentados pelo amadurecimento do tempo, não me revejo neles. Não que a opinião seja volátil. Muitas vezes são as fórmulas encontradas para criticar que despertam o incómodo. Sinto-me apoderado da mesma impaciência quando acabo de ler uma crítica arrasadora de VPV.
O que me apoquenta não é o estorvo causado nos outros. Não que eles deixem de importar, sobretudo a opinião das pessoas queridas, entre família e amigos. Num exercício de ensimesmamento, inquieta-me o desconforto que o que escrevo provoca em mim mesmo. Por vezes há a tentação para renegar o que foi emoldurado na escrita passada. Não o faço pelo metódico princípio de rejeitar refazer o passado. Há textos que se explicam pela conjuntura do momento: um estado de espírito especial, a má disposição do momento que traz para fora toda a lava comprimida, às vezes meros exercícios de retórica, outros ensaios que tentam alcançar um resultado qualquer através da espontaneidade das palavras que se somam linha após linha.
No diagnóstico da maleita, percebo que esta não é maneira mais tranquila de olhar para as coisas. Abre as portas a uma angústia que se repete, a angústia do descontentamento com o que os ponteiros do relógio oferecem. E a angústia mais alta da tentação de refazer o que foi escrito e já tem o cimento do tempo. Pela constrição de chegar a uma encruzilhada e não me identificar com textos passados, o que sou pela escrita que exponho. Só não percebo se isto será a antítese do narcisismo, ou a maneira de dar a volta por outro lado para chegar até ao narcisismo por um caminho que julgo ser a antítese do narcisismo.
2 comentários:
Tantas vezes falas nisto que um destes dias temos mudanças...
Enfim, o facto de abordares a questão já significa alguma coisa.
Ponte Vasco da Gama
Sei que isto te vai arreliar, mas não és o único pessimista. Reparaste no sucesso do "Portugal, Hoje. O medo de existir" ? Vais ter que mudar para continuar a surpreender!
SB
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