8.3.06

No dia internacional da mulher, a modernice dos “homens a dias”

É uma atarefada executiva com pouco tempo disponível para as lides da casa? Chega ao fim do dia extenuada pelas responsabilidades do exigente e intenso trabalho intelectual? A vida social, que faz gala em manter, agenda jantares em sua casa a meio da semana, mais um motivo de preocupação para a sua vida preenchida pelo stress? Afaste as preocupações do horizonte. Uma empresa presta-lhe todos esses serviços (e outros mais?), com o insólito dos serviços terem um cunho…masculino.

Não são escolhidos pela beleza física, mas impressionam qualquer mulher. Prendados, habilidosos na cozinha e imbatíveis nas pequenas reparações domésticas, os «Maridos-a-dias» (…) começam a impor-se em Portugal e estão a ganhar terreno às clássicas «fadas-do-lar»”.

Eles são como os bombeiros, treinados para acorrer a vários fogos. Preparam repastos que encantam os convidados das senhoras sem tempo ou paciência para a tarefa. E não deixam nada ao acaso: mudar uma lâmpada fundida, reparar a dobradiça de um móvel que esteja desarticulada, pequenas reparações aqui e ali, em coisas que, de outro modo, ficam anos a fio penduradas na agenda das “coisas a compor num dia destes”. No aforismo popular, são “pau para toda a obra”.

Uma advertência, para afastar juízos precipitados: nada contra a modernice dos “homens a dias”. A mania das tarefas que cabem à mulher e das que apenas são mister do homem é um dos alicerces da desigualdade que tem persistido ao longo dos tempos. É verdade que me incomodam as efervescências feministas que ambicionam impor, à força, uma igualdade de sexos que não passa de uma impossibilidade; e também me repugnam atitudes muito másculas que continuam a fazer uma separação simplista do mundo, aquilo que compete à mulher como as tarefas que um homem que se preze não deve abraçar.

O tempo passa e as mentalidades evoluem, para o bem e para o mal (com toda a carga subjectiva que a asserção carrega). A ancestral tradição de quase escravizar a mulher é um anacronismo. Um museu de hábitos passados, infelizmente ainda repetidos por certos exemplares que teimam em viver deslocados do tempo. Machistas e marialvas, fazendo garbo da sua condição masculina, como se houvesse uma superioridade testicular, como se os acrescentos genitais dessem cobertura à ascendência do homem sobre a mulher.

As gerações sucedem-se e os hábitos ancestrais vão-se diluindo. Hoje os homens vão com gosto redobrado para a cozinha. Ao fim de algum tempo distinguem-se delas pelos atributos culinários (que isto não seja aproveitado pelos saudosos do marialvismo para concluir: eis mais uma prova de como o homem é superior à mulher). Na complexidade da vida moderna, em que homem e mulher trabalham e têm jornadas diárias com idêntico grau de cansaço, é prova de falta de inteligência insistir numa concentração das tarefas caseiras na mulher. Por se tratar de uma sobrecarga de trabalho que pesa sobre elas. E por ser paradoxal, se for olhado pelo prisma dos homens que ainda pensam que essas tarefas não lhes estão destinadas: se eles mantêm que a mulher é o sexo fraco, como explicam que à parte mais fraca esteja reservado um acréscimo de funções e mais cansaço?

A iniciativa dos “homens a dias” não é apenas uma engenhosa maneira de uma empresa se destacar no mercado, chamar a si uma vasta clientela, abrir as portas do sucesso. É um sinal dos tempos. As mulheres que se socorrem destes serviços têm uma compensação extra: são gabadas pelos convidados, deliciados com a forma de receber. Em boa verdade, parece que as consumidoras do serviço recebem outra compensação, diria, escondida: “Foi óptimo, sabia fazer um bocadinho de tudo e ficou tudo muito bem feito. Quando chegou a hora do jantar vestiu um grande avental e serviu à mesa com distinção”, testemunhou uma das adeptas do serviço. O que me deixa com a pulga atrás da orelha é aquela parte em que ela confidencia que “sabia fazer um bocadinho de tudo” e que “foi óptimo”. Para ler nas entrelinhas, ou apenas uma mente perversa a dar azo à imaginação?

No dia internacional da mulher, a minha singela homenagem. Que elas não sejam exageradas na ambição, até porque não há um dia internacional do homem (do homem, não do Homem). Sinal da discriminação positiva que entrou no catálogo do discurso politicamente correcto. Há dias, a outra metade da sociedade conjugal lançou o isco: “não terás que me dar uma prenda no dia internacional da mulher?” A coisa resolveu-se de forma pacífica: os outros 50% da sociedade conjugal são a melhor prenda que ela teve na vida. Com a vantagem de ser uma prenda quotidiana…

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