16.8.06

Benfica, uma novela mexicana

É de vir às lágrimas. Emoção no seu momento mais alto. Emprestar o amor a uma agremiação desportiva, quando se pensava ser um sentimento endereçado a pessoas. O fervor avermelhado que congrega uma multidão imensa de adeptos, tantos que os cadastros numéricos ficam baralhados (arrisca-se a reclamar um número de adeptos superior ao dos habitantes, um milagre cabalístico que só os mistérios insondáveis da grandeza forjada conseguem explicar).

De vir às lágrimas, o spot patético que usa a imagem de um futebolista no limiar da reforma, recentemente regressado ao “clube do seu coração”. Dramatismo sublime, com as palavras que ecoam do pensamento do futebolista, à medida que resgata do baú das memórias imagens de um jogo, algures no passado, no estádio do seu “clube de sempre”, contra o dito cujo. Teve a infelicidade de marcar um golo na baliza do seu “clube do coração”. Pede que acreditemos: golo que nunca gostaria de ter marcado.

O porta-estandarte do benfiquismo lustroso vai narrando a peripécia, voz dorida do sacrifício de quem meteu a bola na baliza do seu Benfica “de sempre”, como se fosse um punhal cravado no coração benfiquista. A última imagem emoldurada no passado: o choro que não conseguiu reprimir, em vez do festejo do golo. Coroa a encenação lacrimejante com um olhar dirigido ao infinito. E diz, com a voz lancinante de quem se amargura ao recordar o momento: “foi o pior golo da minha vida”.

A lamechice mexicana ainda não tinha chegado ao desenlace. Quando se pensava que a encenação tinha atingido o limite do mau gosto, o epílogo estava reservado para o final do spot. A mensagem enviada ao “universo benfiquista”: “quem assim ama um clube, assume” (cito de cor; com a certeza que os verbos “amar” e “assumir” estão presentes no slogan). É o derradeiro momento do arrebatamento clubista. Aposto que não há adepto desta agremiação insensível à lamechice. Estou a vê-los, numa afanosa correria para as estações de correio, para os postos de abastecimento da Repsol, para as inúmeras casas do Benfica espalhadas pela geografia nacional: todos, na voragem da compra do famoso kit de sócio que os enche de regalias várias e de uma felicidade incomensurável.

Há um cenário dramático montado, que tenta convencer o adepto cego e incauto do sentimento genuíno do artista da bola, o filho pródigo que regressa à paternal casa. Retórica em estado puro. Vale a pena questionar se foi mesmo o “pior golo” da carreira do artista. Bastava um gesto dissimulado para errar a pontaria e a bola beijava as redes por fora. Ao enfatizar que aquele foi o “pior golo” da sua carreira, o artista revela o desamor pela camisola que então envergava, um falso profissionalismo na pouca consideração por quem lhe pagava o principesco salário. Os puristas, entregues aos desvelos dos sentimentos (que, desenganem-se, nada contam no mercantilizado futebol de hoje), deixarão soltar uma lágrima: afinal há amor à camisola! E quando a camisola amada é a encarnada benfiquista, temos o pináculo dos afectos. Só no “maior clube do mundo” – ou o “clube de todos nós”, ou o “clube dos bons pais de família”, ou qualquer outro chavão consagrado no universo do auto-convencimento patético desta agremiação – este fenómeno se podia revelar.

E depois há aquela mensagem no encerramento do spot: “quem assim ama um clube, assume”. Fico perplexo, confuso com o jogo de palavras. Do alto da minha ingenuidade, pensava que o amor é um sentimento destinado às pessoas. Acreditava que as instituições não são amadas, por serem coisas. A menos que, por interpostas pessoas (os dirigentes, os agentes que são o rosto visível da instituição), sejam eles o receptáculo do “amor” dos devotos seguidores da instituição. Nesse caso, há um sentimento doentio que merece análise psiquiátrica. De resto, este anúncio encerra uma visível contradição de termos. Ora não é verdade que exemplares pais de família envergam cartão de sócio desta agremiação? Como é possível ser extremoso pai de família quando a mesma pessoa, adepta do clube das camisolas encarnadas, é convidada a “assumir” o seu “amor” pela instituição? Ser benfiquista é a negação do amor dedicado à família constituída. E encerra outra perigosa contradição: como amam “o” Benfica, amam coisa masculina, ficando no limiar da homossexualidade reprimida.
Uma palavra final de inquietação. Os muitíssimos milhões de adeptos são desafiados a “assumir” o seu “amor” pelo Benfica. Dir-se-ia, um amor escondido, como se o Benfica fosse a amásia que sempre viveu na penumbra, a segunda escolha, uma vida paralela dos tais exemplares pais de família. Que, afinal, reservam um lugar grande no seu coração ao “glorioso Benfica”. No fim de contas, este é um clube que vai destruir muitos lares. Doravante muitos pais de família hão-de trocar as suas consortes e a prole pela dedicação ao “grandioso Benfica”. Deixando de ser bons pais de família. Motivo para intervenção do governo, proibindo o spot. Ah, o primeiro-ministro também é sócio. A intervenção governamental, fora da equação.

5 comentários:

Anónimo disse...

bom, confesso que não sei que dizer... não percebi se o texto é fruto de quem não entende patavina de futebol e da paixão que o mesmo desperta nas massas (independentemente do clube), se é fruto de algum adepto de outros clubes, que por muito que ganhem não conseguem abandonar este eterno complexo de inferioridade e este ódio em relação ao Benfica (que nem sequer têm razão para existir, enfim...) ou se é um mero exercício e uma tentativa falhada de criar um texto humorístico.
Em qualquer dos casos é do mais fraquito que por aqui escreveu...

Rui Miguel Ribeiro disse...

Eu não conheço o anúncio, mas não esperava ver o Paulo destilar tanto ódio ao Benfica! Tenho de dar razão ao anónimo, que me antecede quanto ao complexo de inferioridade que aflige muitos dos 2 ou 3 milhões de portistas e sportinguistas que vão despejando fel sobre o Benfica, mesmo quando ganham. E isso de virem falar do Benfica nas suas próprias vitórias, é uma (desnecessária) confirmação da grandeza do SLB.

P.S. Tem piada esse ataque ao Rui Costa (que ainda é um grande jogado, precisamente) no dia em que o "teu" Presidente choramingava que ainda havia de voltar a ver o Figo a jogar no Sporting. Ou será que era o Jordão e o Manuel Fernandes?

PVM disse...

Não percebo onde se percebe o “ódio” nas minhas palavras. Em vez disso, chacota, desdém.
Essa mania das grandezas, que leva os apaniguados à cegueira de porem o Benfica à frente de tudo o resto – numa nova forma de deificação, como todas, estúpida – faz-me soltar sonoras gargalhadas. É só. Quanto ao resto, eu sei o que as estatísticas confirmam. Que o Benfica é o clube com mais campeonatos, com mais adeptos, etc.
Só que o passado está feito e não volta a acontecer. Os que vibram só por dizerem “Benfica”, tutores da vaca sagrada, fazem-me lembrar aqueles nacionalistas dos sete costados, nostálgicos, sempre a puxar lustro aos feitos dos antepassados. Preferem dormir sobre o passado e esquecer o sombrio presente que lhes surge por diante.
PVM

Resposta ao “PS” – eu não “tenho” presidentes. Para nada. Mas, já agora, comparar o pré-reformado do Benfica com o Figo, só se for uma chalaça!

Anónimo disse...

após ler a resposta do PVM aos comentários já sei qual o factor que motivou o post: foi precisamente o ódio/inveja/complexo de inferioridade (ou um pouco de tudo isto) em relação ao Benfica e que só contribuem para confirmar a sua grandeza. Só os realmente grandes conseguem despertar tais sentimentos.
O pormenor delicioso da comparação R.Costa vs Figo não é mais que a confirmação do que acabei de expor... não precisa dizer mais caro PVM, estou esclarecido!
PS - Relativamente ao ser Benfiquista... bom, é algo que não se explica, não se descreve, sente-se apenas.
PS2 - Palpita-me o pré-reformado lhe irá dar alguns desgostos ao longo da época.

Rui Miguel Ribeiro disse...

Eu acredito que não gostes do anúncio. Eu já vi parte e apela realmente ao sentimento. Não me pareceu que alinhasse com os piores anúncios que se vêem pela TV, mas acho normal que apele ao sentimento visto que o futebol é feito de sentimento e paixão e atravessa todas as classes sócio-económico-culturais.
Quanto ao "ódio", pode ter sido um exagero da minha parte, mas convenhamos que fazer um post grande no Blog só porque não gostaste de um anúncio...quer dizer alguma coisa, caso contrário passavas o tempo a escrever sobre publicidade.
Rui Costa. Todos sabemos que não tem 25 anos, mas quase todos sabemos que ainda tem grandes qualidades futebolísticas e todos vemos jogadores com 34, 35, 36 anos a fazerem grande jogos e épocas francamente positivas. E digo mais: com o Deco a 30%/40%, o Rui Costa ainda tinha feito jeito a Portugal no Mundial 2006. A não ser que consideres que o Viana, por ser made in Alvalade, também é melhor do que ele!
Finalmente, o passado e o presente: eu não vivo do passado do Benfica, embora tenha orgulho nele e o recorde. Eu vivo o presente do SLB e vibro com as suas vitórias actuais/recentes (1 Campeonato e 1 Taça há 1 e 2 anos) e tenho a expectativa normal em Agosto de poder festejar alguns (de preferência muitos êxitos) neste ano. Penso é que não vale a pena fazer grande alarido, como os verde-brancos andam fazendo, com as estrepitosas vitórias de pré-época, que já os fazem sonhar com a final da Champions (Paredes dixit). Isso sim, é de partir o côco a rir!!!