Queria confessar a inquietação que me causou ter percebido que estive do mesmo lado da barricada dos comunistas. O culpado foi o primeiro-ministro mais a sua arrogante maneira de ser, incapaz de aceitar aqueles que dele divergem com uma olímpica reacção de quem sabe conviver com as regras do jogo da democracia. Depois de ter escrito sobre a irritação do homem que não gosta de ser confrontado com apupos quando se pavoneia em mais um anúncio pomposo de obra ou projecto que não sabemos se algum dia haverá resultado, percebi como essa táctica suicida do timoneiro teve o lado pérfido de me colocar momentaneamente ao lado de comunistas. Só depois senti o incómodo.
Logo no dia seguinte houve mais uma peça a acrescentar à indignidade deste governo. Dois polícias à paisana entraram no sindicato dos professores, sucursal da Covilhã, e desfiaram um interrogatório. É que no dia seguinte o intocável timoneiro ia de visita à escola local onde estudou e ficava mal estragar a festança com manifestações antipáticas. Mais um episódio sintomático da deriva totalitária deste governo, ou de como perpassa a confusão entre maioria absoluta e exercício do poder, com este a resvalar frequentemente para o abuso de poder. Pelo meio, para descompor ainda mais as coisas, os comunistas aproveitaram a ocasião para se vitimizarem, trazendo mais amantes da liberdade para o seu lado.
Digo, amantes da liberdade, da liberdade genuína. Não da liberdade abastardada que ecoa da retórica dos comunistas – e, porque não dizê-lo, dos socialistas amesendados no poder. É aqui que se entreabre a porta para olhar estes acontecimentos pelo outro ângulo. Que, é claro, não é o ângulo que interessa aos servos do governo, porque eles têm mostrado que convivem sem dores de consciência com entroses à liberdade de expressão.
É nessa altura que sinto como caí na esparrela. Quando revelei a tentação de exibir solidariedade com os comunistas, por causa da sintomática intolerância do timoneiro primeiro-ministro, estava toldado pela ingenuidade e tomado pela irritação de ver o chefe do governo irritado com os assobios que lhe dirigiam em público. Esqueci-me, por um instante, que os comunistas não são exemplos de defesa da liberdade. Sei que, diante destas palavras, alguns comunistas (e outros apanhados na ingenuidade de quem se engana perante o que é defendido pelo catecismo comunista) protestam: dirão que foram penhores da luta pela liberdade nos sombrios anos da ditadura. Eu direi que o que me interessa não é a luta contra a ditadura; é a ideologia, o exemplo que defendiam, as atrocidades contra as liberdades que foram cometidas na sacralizada União Soviética. O farol é a antítese genética da liberdade.
Ora, quem não pode desfilar como paradigma das liberdades perde razão quando um adversário atenta contra a liberdade que o regime lhe garante. Não estou a sugerir que eles sejam merecedores de uma liberdade amputada por serem geneticamente adversários das liberdades. Só estou a insinuar que o roto não tem razão de protestar contra quem vai nu. Pode ser de uma conveniência táctica bramir contra os comportamentos indignos do chefe do governo e de outros funcionários menores que querem brilhar, mostrando às chefias que são mais papistas que o papa nesta claustrofobia das liberdades em que vegetamos. Logo de seguida surge uma interrogação, um exercício especulativo: acaso acampassem no altar do poder, conseguiam os comunistas reprimir os instintos que atropelam as liberdades? O passado e o catecismo ideológico darão resposta.
O que de me desgosta, no rescaldo destes lamentáveis acontecimentos, é que continuamos, como povo, a tolerar atentados às liberdades. Incapazes de enveredar pela emancipação do autoritarismo, tantas vezes confundido com mãos livres para governar, para decidir, para fazer. Uma herança de quarenta e oito anos de ditadura. Chego a pensar que somos, como povo, geneticamente avessos às liberdades. A prova está no que se passou, com a triste irritação do primeiro-ministro com os manifestantes, com a “visita de cortesia” dos polícias à paisana ao sindicato dos professores. E de como tudo se resume a uma rivalidade entre os socialistas no poder e os comunistas que os incomodam com a agitação social em que são especialistas. A rivalidade entre duas facções que, quando puxadas ao limite, são geneticamente alérgicas às liberdades – quando do exercício das liberdades emergem palavras dissonantes.
Tudo isto me soa estranho. Sinto que a doença tomou conta de tudo. O ar irrespirável está aí para o atestar.
Logo no dia seguinte houve mais uma peça a acrescentar à indignidade deste governo. Dois polícias à paisana entraram no sindicato dos professores, sucursal da Covilhã, e desfiaram um interrogatório. É que no dia seguinte o intocável timoneiro ia de visita à escola local onde estudou e ficava mal estragar a festança com manifestações antipáticas. Mais um episódio sintomático da deriva totalitária deste governo, ou de como perpassa a confusão entre maioria absoluta e exercício do poder, com este a resvalar frequentemente para o abuso de poder. Pelo meio, para descompor ainda mais as coisas, os comunistas aproveitaram a ocasião para se vitimizarem, trazendo mais amantes da liberdade para o seu lado.
Digo, amantes da liberdade, da liberdade genuína. Não da liberdade abastardada que ecoa da retórica dos comunistas – e, porque não dizê-lo, dos socialistas amesendados no poder. É aqui que se entreabre a porta para olhar estes acontecimentos pelo outro ângulo. Que, é claro, não é o ângulo que interessa aos servos do governo, porque eles têm mostrado que convivem sem dores de consciência com entroses à liberdade de expressão.
É nessa altura que sinto como caí na esparrela. Quando revelei a tentação de exibir solidariedade com os comunistas, por causa da sintomática intolerância do timoneiro primeiro-ministro, estava toldado pela ingenuidade e tomado pela irritação de ver o chefe do governo irritado com os assobios que lhe dirigiam em público. Esqueci-me, por um instante, que os comunistas não são exemplos de defesa da liberdade. Sei que, diante destas palavras, alguns comunistas (e outros apanhados na ingenuidade de quem se engana perante o que é defendido pelo catecismo comunista) protestam: dirão que foram penhores da luta pela liberdade nos sombrios anos da ditadura. Eu direi que o que me interessa não é a luta contra a ditadura; é a ideologia, o exemplo que defendiam, as atrocidades contra as liberdades que foram cometidas na sacralizada União Soviética. O farol é a antítese genética da liberdade.
Ora, quem não pode desfilar como paradigma das liberdades perde razão quando um adversário atenta contra a liberdade que o regime lhe garante. Não estou a sugerir que eles sejam merecedores de uma liberdade amputada por serem geneticamente adversários das liberdades. Só estou a insinuar que o roto não tem razão de protestar contra quem vai nu. Pode ser de uma conveniência táctica bramir contra os comportamentos indignos do chefe do governo e de outros funcionários menores que querem brilhar, mostrando às chefias que são mais papistas que o papa nesta claustrofobia das liberdades em que vegetamos. Logo de seguida surge uma interrogação, um exercício especulativo: acaso acampassem no altar do poder, conseguiam os comunistas reprimir os instintos que atropelam as liberdades? O passado e o catecismo ideológico darão resposta.
O que de me desgosta, no rescaldo destes lamentáveis acontecimentos, é que continuamos, como povo, a tolerar atentados às liberdades. Incapazes de enveredar pela emancipação do autoritarismo, tantas vezes confundido com mãos livres para governar, para decidir, para fazer. Uma herança de quarenta e oito anos de ditadura. Chego a pensar que somos, como povo, geneticamente avessos às liberdades. A prova está no que se passou, com a triste irritação do primeiro-ministro com os manifestantes, com a “visita de cortesia” dos polícias à paisana ao sindicato dos professores. E de como tudo se resume a uma rivalidade entre os socialistas no poder e os comunistas que os incomodam com a agitação social em que são especialistas. A rivalidade entre duas facções que, quando puxadas ao limite, são geneticamente alérgicas às liberdades – quando do exercício das liberdades emergem palavras dissonantes.
Tudo isto me soa estranho. Sinto que a doença tomou conta de tudo. O ar irrespirável está aí para o atestar.
4 comentários:
Como sabes, defendo que o Sócrates vá até ao fim do mandato para o qual foi eleito democraticamente. Não tanto pelo seu mérito, mas pela inexistência de alternativa (não vamos discutir outra vez isto).
Não pretendo defender o Sócrates em relação a estes "atentados contra a democracia", porque sinceramente não os vejo como tal. Palavras infelizes, gestos irreflectidos talvez, mas acho que apesar de tudo o que este país tem de mau, já não vivemos com a ameaça totalitária nas nossas cabeças. Temos sim, jornais para vender, abrir noticiários... e está claro, há que arranjar notícias. E sim, para os que querem voltar ao passado (comunistas portugueses), estes factos são fantásticos para fazer barulho e ajudam a justificar a sua existência (destes comunistas e afins).
Volto a dizer, o Sócrates não é santo... mas recuso-me a vê-lo como o início de um ditador, de todo.
O episodio da polícia na Covilhã não me choca assim tanto. Alguém resolve "apalpar terreno" para precaver o que se iria passar e não soube fazê-lo. Ainda por cima caiu na ingenuidade de se atravessar na frente de um sindicato de professores (estes sim, ditadores que procuram preservar uma realidade morta há muito e com essa atitude atrasar o desenvolvimento da principal doença deste país: a educação).
Lá está, a democracia a funcionar na perfeição. Alguém não soube fazer as coisas bem feitas e a história veio logo para os jornais e lá temos nós mais uns jornais vendidos e pessoal a mudar de canal para ouvir a história (deixemo-nos de coisas, todos os governos fazem isto - o azar deste é nem sempre saber fazer as coisas).
E passamos a vida a discutir estas coisas e pouco interessados se estamos a evoluír/construír algo.
Ponte Vasco da Gama
Especulemos um pouco: se estes episódios se tivessem passado com o palerma do Santana, que vendaval não iria por aí… (E se uso o Santana como comparação, é de propósito: ele e o Sócrates foram “fabricados” pela TV, quando foram comentadores residentes da actualidade, em parceria. Farinha do mesmo saco.)
Concordo que às vezes as coisas são empoladas. Não me custa a crer que no caso da Covilhã o relato da sindicalista de serviço contenha exageros e inverdades (está-lhes na massa do sangue, a desonestidade intelectual). Mas quem foi inábil? Quem deu instruções para a visita policial a um sindicato. E se há necessidade de mergulhar no passado, não me lembro de alguma vez semelhante coisa ter sido feita. Para piorar as coisas, soube-se durante a manhã o que já se adivinhava: o relatório encomendado pelo ministro concluiu que tudo se passou com a maior das normalidades.
Eu não digo que o Sócrates é um ditador. Digo é que tem uma incrível incapacidade de lidar com a crítica, que mostra uma duvidosa cultura democrática.
E não, estas coisas não são pormenores. Concordo: temos que fazer avançar esta terrinha. Mas não me digas que estes atropelos às liberdades são coisas de somenos importância. É que, um dia destes, estamos a inverter a escala de valores, a desvalorizar a liberdade que tanto custou a conquistar. E que nunca será tutelada por quem ideologicamente, a não respeita.
PVM
Meus amigos venho por este meio informar que o processo de averiguações ao que se passou na Covilhã, como nao podia deixar de ser, foi arquivado.
ABS
Tirando os militantes devotos do PS, alguns votantes que ainda acreditam que tudo isto não é um tremendo embuste e outros, ainda presos à ingenuidade – tirando estes, quem é que acreditava que o resultado do inquérito fosse diferente do arquivamento?
Eu gosto de "tribunais" (ou "inspecções gerais" disto e daqueloutro) que julgam em causa própria. Como é sabido, são muito imparciais...
PVM
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