De vez em quando, as esquerdas – certas esquerdas – fazem gala em mostrar como conjugam mal com a palavra “tolerância”. Apesar de amiúde encherem o peito e se envaidecerem da posição cimeira que acham ocupar no campeonato da tolerância. As erupções de intolerância vêm por vagas: umas vezes de mansinho, outras vezes como se fossem tsunamis devastadores. São menos frequentes os exemplos do último caso, pois correspondem ao desmascarar dessas esquerdas. Eu acho que acabam por ser mais perigosas as imensas ocasiões em que a intolerância soa quase imperceptível. Porque é mais assídua; e porque de tanto se ir estendendo, a asfixia às liberdades vai-se instalando – e um retrocesso civilizacional campeia.
Desta vez o alvo são as capelanias existentes nos hospitais. Há sacerdotes residentes nos hospitais, para conforto dos pacientes que atravessam um problema de saúde. E há certas esquerdas laicas, profundamente republicanas, que se incomodam com a existência de qualquer símbolo católico em edifícios públicos. Esgrimem a Constituição a seu favor: se ela fixou um Estado laico, a teimosia em ecoar hábitos enraizados que perpetuam o império do catolicismo é a negação da Constituição. A solução é fácil: para cercear o atentado à sagrada Constituição, abolir todos os símbolos católicos ligados a edifícios públicos. As capelanias nos hospitais são o próximo alvo a abater, depois da anterior batalha ter dirigido energias contra os crucifixos em escolas.
Há dois lídimos representantes desta “esquerda moderna” que se têm destacado no argumentário contra as capelanias: Mário Soares e Vital Moreira. Com eles coincido no ateísmo. Os nossos caminhos divergem a partir do momento em que o catatónico ex-presidente e o meirinho intelectual da “esquerda modernaça” espezinham as convicções religiosas de uma maioria e insinuam uma engenharia social que representaria um golpe profundo nessas convicções. Não é surpresa observar que para estes feitores da intolerância as liberdades individuais significam pouco quando as consideram em oposição a um suposto devir colectivo – nem que seja um devir colectivo que as suas iluminadas cabeças inventam, no exercício sublime da engenharia social de que são feitores.
Repito o registo de interesses: sou de um ateísmo profundo. E se estiver hospitalizado dispenso os serviços do capelão. Mas devo-me incomodar se o vizinho da enfermaria solicitar a presença do sacerdote? Há adágios populares que não perdem força argumentativa: e, lá diz o povo, “quem está mal, muda-se”. O que Soares e Vital não conseguem perceber é que a violência imposta sobre os crentes, ao negar a existência de capelanias em hospitais, é superior à sentida por ateus que se incomodam com o cerco de sinais católicos em seu redor. Que se saiba, democracia ainda não deixou de ser a governação da maioria com a anuência da minoria. Gostemos ou não, ateus como Soares, Vital e eu temos que concordar que o catolicismo está enraizado na sociedade. Nem me interessa discutir as origens da fé, ou se muitos que se dizem católicos são-no genuinamente. Mais alto fala o respeito pelas convicções de cada um, sejam elas genuínas ou apenas um distante reflexo da realidade.
Nós, ateus, temos que perceber que estamos em minoria. Por mais que nos custe – a uns isto dói mais, no afã de mudarem à força hábitos ancestrais – este país é católico. Podem os republicanos dos quatro costados chamar a si a razão legal, brandindo a Constituição que consagrou a laicidade do Estado. Hão-de continuar presos a um dilema: que os hábitos sociais não se mudam por força de decreto, nem sequer pela posição de força de uma regra com dignidade constitucional. Não perceber isto e teimar na extinção de símbolos religiosos da prática e dos edifícios públicos é apenas uma ilusória ambição, o desejo de viverem num país que, para o ser dessa forma, teria que exigir à força que as pessoas abdicassem da sua crença.
O que me deixa atónito é ateus preocuparem-se tanto com a fé alheia. Se quero que o meu ateísmo seja respeitado, devo antes mostrar que respeito as crenças dos outros. É aqui que os arautos do laicismo à força falham. E falham por não serem sensíveis à violência que estariam a impor a católicos que quisessem, num momento de aflição como o da hospitalização, recorrer a um padre católico. A negação de direitos, mesmo os que nos soam bizarros por convicções interiores, é uma violência maior do que o seu respeito. Mesmo que desse respeito resulte a negação das nossas convicções interiores.
O preço a pagar pela superioridade das convicções pessoais destes engenheiros sociais é a intolerância que vem de braço dado com a incoerência. Como ateu, acabo por temer mais estes ateus intolerantes do que os sacerdotes que continuam a espalhar a fé católica. Desconfio que, se pudessem, impunham o seu mundo idealizado a todos os demais, nem que fosse pela incapacidade destes para perceberem a superioridade do seu modelo. Eu cá prefiro que seja levantada a cancela para deixar entrar a liberdade de cada um olhar para o mundo conforme lhe apraz. Sobretudo a liberdade dos que estão nos antípodas das minhas convicções.
Desta vez o alvo são as capelanias existentes nos hospitais. Há sacerdotes residentes nos hospitais, para conforto dos pacientes que atravessam um problema de saúde. E há certas esquerdas laicas, profundamente republicanas, que se incomodam com a existência de qualquer símbolo católico em edifícios públicos. Esgrimem a Constituição a seu favor: se ela fixou um Estado laico, a teimosia em ecoar hábitos enraizados que perpetuam o império do catolicismo é a negação da Constituição. A solução é fácil: para cercear o atentado à sagrada Constituição, abolir todos os símbolos católicos ligados a edifícios públicos. As capelanias nos hospitais são o próximo alvo a abater, depois da anterior batalha ter dirigido energias contra os crucifixos em escolas.
Há dois lídimos representantes desta “esquerda moderna” que se têm destacado no argumentário contra as capelanias: Mário Soares e Vital Moreira. Com eles coincido no ateísmo. Os nossos caminhos divergem a partir do momento em que o catatónico ex-presidente e o meirinho intelectual da “esquerda modernaça” espezinham as convicções religiosas de uma maioria e insinuam uma engenharia social que representaria um golpe profundo nessas convicções. Não é surpresa observar que para estes feitores da intolerância as liberdades individuais significam pouco quando as consideram em oposição a um suposto devir colectivo – nem que seja um devir colectivo que as suas iluminadas cabeças inventam, no exercício sublime da engenharia social de que são feitores.
Repito o registo de interesses: sou de um ateísmo profundo. E se estiver hospitalizado dispenso os serviços do capelão. Mas devo-me incomodar se o vizinho da enfermaria solicitar a presença do sacerdote? Há adágios populares que não perdem força argumentativa: e, lá diz o povo, “quem está mal, muda-se”. O que Soares e Vital não conseguem perceber é que a violência imposta sobre os crentes, ao negar a existência de capelanias em hospitais, é superior à sentida por ateus que se incomodam com o cerco de sinais católicos em seu redor. Que se saiba, democracia ainda não deixou de ser a governação da maioria com a anuência da minoria. Gostemos ou não, ateus como Soares, Vital e eu temos que concordar que o catolicismo está enraizado na sociedade. Nem me interessa discutir as origens da fé, ou se muitos que se dizem católicos são-no genuinamente. Mais alto fala o respeito pelas convicções de cada um, sejam elas genuínas ou apenas um distante reflexo da realidade.
Nós, ateus, temos que perceber que estamos em minoria. Por mais que nos custe – a uns isto dói mais, no afã de mudarem à força hábitos ancestrais – este país é católico. Podem os republicanos dos quatro costados chamar a si a razão legal, brandindo a Constituição que consagrou a laicidade do Estado. Hão-de continuar presos a um dilema: que os hábitos sociais não se mudam por força de decreto, nem sequer pela posição de força de uma regra com dignidade constitucional. Não perceber isto e teimar na extinção de símbolos religiosos da prática e dos edifícios públicos é apenas uma ilusória ambição, o desejo de viverem num país que, para o ser dessa forma, teria que exigir à força que as pessoas abdicassem da sua crença.
O que me deixa atónito é ateus preocuparem-se tanto com a fé alheia. Se quero que o meu ateísmo seja respeitado, devo antes mostrar que respeito as crenças dos outros. É aqui que os arautos do laicismo à força falham. E falham por não serem sensíveis à violência que estariam a impor a católicos que quisessem, num momento de aflição como o da hospitalização, recorrer a um padre católico. A negação de direitos, mesmo os que nos soam bizarros por convicções interiores, é uma violência maior do que o seu respeito. Mesmo que desse respeito resulte a negação das nossas convicções interiores.
O preço a pagar pela superioridade das convicções pessoais destes engenheiros sociais é a intolerância que vem de braço dado com a incoerência. Como ateu, acabo por temer mais estes ateus intolerantes do que os sacerdotes que continuam a espalhar a fé católica. Desconfio que, se pudessem, impunham o seu mundo idealizado a todos os demais, nem que fosse pela incapacidade destes para perceberem a superioridade do seu modelo. Eu cá prefiro que seja levantada a cancela para deixar entrar a liberdade de cada um olhar para o mundo conforme lhe apraz. Sobretudo a liberdade dos que estão nos antípodas das minhas convicções.
1 comentário:
O problema das capelanias não é sua existência em si. Não sei como funciona nos hospitais, mas sei como funciona nos quartéis. Nos quartéis os capelães são Oficiais Militares, que não só ganham altos salários, como ocupam uma posição estratégica dentro das forças militares, maculando a soberania nacional. A existência de capelães militares subordina, ainda que sutilmente, as nossas forças militares - e por consequência nossa soberania - à Santa Sé. Não é se preocupar com a fé alheia: se o capelão pago pelo fiel quiser fazer uma missa/culto/ritual dentro de um quartel, não vejo problema algum. Vejo problema em o capelão ganhar um salário de 5 dígitos do Estado, ter o título de Coronel e autoridade sobre a tropa.
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