“Um bom mestre tem sempre esta preocupação: ensinar o aluno a desenvencilhar-se sozinho”, E. M. Forster.
Coincide hoje a comemoração de dois dias mundiais: do professor e do animal. Soará estranha a coincidência. Ou até insultuosa, se houver mestres que se achem imbuídos de uma aura especial e rejeitem qualquer comparação com animais, nem que a comparação actue em relação aos destinatários da sua arte. Neste mundo impregnado de dias mundiais de tudo e mais alguma coisa, o significado da festividade dilui-se na mundana natureza da efeméride. Como uma das celebrações de hoje coincide com a minha profissão e a outra com um imenso gosto pessoal, não passaram em branco.
Os professores são muito importantes – costumamos interiorizar, sobretudo aqueles habituados a actuar perante uma plateia de alunos em que é variável o interesse e a atenção pelos ensinamentos debitados. Paradoxalmente, a sociedade deixou de consagrar a profissão como o fez outrora. E digo que é um paradoxo porque um dos lugares-comuns da modernidade em que vivemos é a elevada importância do ensino. Uma sociedade desqualificada é meio caminho andado para um mergulho suicida no atraso. Ora não há esmero na qualificação das pessoas se elas não passarem pelo crivo do bom ensino. Faria sentido privilegiar a função do professor, afinal formador das gentes que hão-de, nas empresas e na administração pública, fazer mover a carruagem.
Sem resvalar para corporativismos espúrios, nem menos adoptar linguajar sindicalista, acho que os professores não são credores do respeito que merecem. São mal pagos. São olhados de soslaio por clarividentes personagens com traumas passados às mãos de maus professores – que os há. Sobre eles pesa o estigma da lassidão do que ensinam, de serem personagens encerradas numa inatingível torre de marfim onde o mundo é visto por uma lente desfocada. Sobre eles, ainda a ideia preconcebida de que trabalham pouco. Onde existe flexibilidade de horários confunde-se gente preguiçosa, que trabalha poucas horas por dia. Quase o rótulo de parasitas sociais. O desrespeito como corolário. E quando assim é, um colectivo que cospe no prato onde lhe dão a comer: desprestigiar os professores é rejeitar todo um capital que investe no devir de todos nós. A menos que se acredite na solvência dos self-made-man, aqueles que têm a sorte de vingar com opções em cima do joelho que, por um mero acaso, frutificam.
Há mais um acto que desvaloriza o professor: um ensino universitário invadido pelo espírito de Bolonha. Ensinar é agora diferente. Grande parte do ónus foi transferida do professor para o aluno. Um dos lugares-comuns do processo de Bolonha é que ao professor cabe ensinar a aprender, já não tanto ensinar conteúdos. É aí que a citação de E. M. Forster faz sentido: cada vez mais ao professor compete ensinar ao aluno a saber desenvencilhar-se. Nada de novo na idiossincrasia nacional. Sempre fomos conhecidos pela arte do desenrascanço, navegando por estima, sem traçar rota nem prever acidentes de percurso. Se calhar, Bolonha é trazer para o ensino um ingrediente vulgarizado por cá. Para mim, é o abastardamento do ensino, infectado por uma má característica da sociedade. Quando deviam ser os professores a mudar hábitos, Bolonha importa para o ensino os maus hábitos da sociedade.
Há ponte possível entre professores e animais? Acabo de ouvir num noticiário, a propósito do dia mundial do animal, que o abandono de animais domésticos subiu cerca de 20% em relação ao ano passado. E não sei se o que somos convidados a fazer, nesta adaptação ao método bolonhês de ensino universitário, não encontra paralelo no abandono a que os infelizes animais de companhia são votados. Os resultados de Bolonha hão-de ser escrutinados só daqui a alguns anos, quando a fornada de pessoas habilitadas por este método for representativa para retirar conclusões. Então se verá se os alunos não foram abandonados à sua sorte. E se a selva em que entram depois de terem o ansiado canudo na mão não é ainda mais inexpugnável e traiçoeira do que já o era antes.
Coincide hoje a comemoração de dois dias mundiais: do professor e do animal. Soará estranha a coincidência. Ou até insultuosa, se houver mestres que se achem imbuídos de uma aura especial e rejeitem qualquer comparação com animais, nem que a comparação actue em relação aos destinatários da sua arte. Neste mundo impregnado de dias mundiais de tudo e mais alguma coisa, o significado da festividade dilui-se na mundana natureza da efeméride. Como uma das celebrações de hoje coincide com a minha profissão e a outra com um imenso gosto pessoal, não passaram em branco.
Os professores são muito importantes – costumamos interiorizar, sobretudo aqueles habituados a actuar perante uma plateia de alunos em que é variável o interesse e a atenção pelos ensinamentos debitados. Paradoxalmente, a sociedade deixou de consagrar a profissão como o fez outrora. E digo que é um paradoxo porque um dos lugares-comuns da modernidade em que vivemos é a elevada importância do ensino. Uma sociedade desqualificada é meio caminho andado para um mergulho suicida no atraso. Ora não há esmero na qualificação das pessoas se elas não passarem pelo crivo do bom ensino. Faria sentido privilegiar a função do professor, afinal formador das gentes que hão-de, nas empresas e na administração pública, fazer mover a carruagem.
Sem resvalar para corporativismos espúrios, nem menos adoptar linguajar sindicalista, acho que os professores não são credores do respeito que merecem. São mal pagos. São olhados de soslaio por clarividentes personagens com traumas passados às mãos de maus professores – que os há. Sobre eles pesa o estigma da lassidão do que ensinam, de serem personagens encerradas numa inatingível torre de marfim onde o mundo é visto por uma lente desfocada. Sobre eles, ainda a ideia preconcebida de que trabalham pouco. Onde existe flexibilidade de horários confunde-se gente preguiçosa, que trabalha poucas horas por dia. Quase o rótulo de parasitas sociais. O desrespeito como corolário. E quando assim é, um colectivo que cospe no prato onde lhe dão a comer: desprestigiar os professores é rejeitar todo um capital que investe no devir de todos nós. A menos que se acredite na solvência dos self-made-man, aqueles que têm a sorte de vingar com opções em cima do joelho que, por um mero acaso, frutificam.
Há mais um acto que desvaloriza o professor: um ensino universitário invadido pelo espírito de Bolonha. Ensinar é agora diferente. Grande parte do ónus foi transferida do professor para o aluno. Um dos lugares-comuns do processo de Bolonha é que ao professor cabe ensinar a aprender, já não tanto ensinar conteúdos. É aí que a citação de E. M. Forster faz sentido: cada vez mais ao professor compete ensinar ao aluno a saber desenvencilhar-se. Nada de novo na idiossincrasia nacional. Sempre fomos conhecidos pela arte do desenrascanço, navegando por estima, sem traçar rota nem prever acidentes de percurso. Se calhar, Bolonha é trazer para o ensino um ingrediente vulgarizado por cá. Para mim, é o abastardamento do ensino, infectado por uma má característica da sociedade. Quando deviam ser os professores a mudar hábitos, Bolonha importa para o ensino os maus hábitos da sociedade.
Há ponte possível entre professores e animais? Acabo de ouvir num noticiário, a propósito do dia mundial do animal, que o abandono de animais domésticos subiu cerca de 20% em relação ao ano passado. E não sei se o que somos convidados a fazer, nesta adaptação ao método bolonhês de ensino universitário, não encontra paralelo no abandono a que os infelizes animais de companhia são votados. Os resultados de Bolonha hão-de ser escrutinados só daqui a alguns anos, quando a fornada de pessoas habilitadas por este método for representativa para retirar conclusões. Então se verá se os alunos não foram abandonados à sua sorte. E se a selva em que entram depois de terem o ansiado canudo na mão não é ainda mais inexpugnável e traiçoeira do que já o era antes.
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