6.11.08

Por que precisamos de messianismos?


A exultação quase consensual. As pessoas vibram. Umas choram, emocionadas. Alguns confessam: ainda parece um sonho (e ver-se-á se não seria preferível que o onírico fosse perene). O seu salvador obteve anuência para subir ao trono. Era a vitória indeclinável. Catástrofe, se a vitória se fosse abrigar no regaço do adversário. Agora é que tudo vai mudar. Pelos dedos ungidos de um providencial homem, predestinado para terminar os equívocos dos últimos anos.


Tenho por princípio desconfiar de gente que se acha providencial, ou que é posta em aura messiânica por uma turba de entusiasmados apoiantes. É próprio da higiene mental: detesto tudo o que soe a consensos forçados, consensos inevitáveis. Uma consensualidade doentia, por se considerar ultrajante a ousadia de desalinhar do numeroso coro que tece loas à figura providencial. Por um imperativo de higiene mental prefiro estar de lado desconfortável da barricada – essa é a primeira razão.


Some-se o seguinte: o direito de não me rever no novo messias que aterrou entre nós. O homem providencial tem carisma – mas há tantos gurus de religiosidades duvidosas que conseguem levar atrelado um imenso e acrítico séquito. O messias do momento é um bem-falante – e há-os tantos que não passam da vacuidade das palavras, enredados na retórica que seduz quem gosta de escutar balsâmicas palavras que adoçam os seus ouvidos. Mas é só isso, palavras. Só que as palavras ditas em entusiasmantes discursos não são penhor de acção alguma. Nem as propostas que se decantam entre a espuma da retórica são convincentes, oráculo de um catecismo ideológico que não é meu.


Há uma terceira razão para torcer o nariz à consensualidade imperativa que tomou conta da atmosfera: a personagem messiânica, cativada pela internacional socialista como um dos seus – como se os arautos da internacional socialista ignorassem que o novo messias de socialista não tem nada. É a oportuna janela que vem mesmo a calhar para fortalecer a lógica da inevitabilidade socialista. Para esta gente – e, todos apanhados na maré, para quem for sensato em se aconselhar na alfombra socialista – o mundo como deve ser ou é socialista ou é socialista. A colagem ao novo trovador dos sóis radiosos é uma oportunista artimanha com o propósito de reforçar a ideia de que não há hipótese credível ao socialismo mundial. É aqui que funciona, outra vez, o dever de ser dissidente. Só para não engrossar a maré que, um dia destes, ameaça liquidar a competição de ideias que é património genético da democracia.


A entronização do novo messias promete ser um fértil caso de estudo para a sociologia e para a psicologia. Arriscaria a vaticinar: até mesmo para a teologia. É impressionante a capacidade de mobilização do homem providencial. Até a imprensa, sempre tão exigente, está rendida. Fazendo tábua rasa dos manuais de estilo do bom jornalismo, não poupa nos encomiásticos adjectivos. Em mim, tudo isto tem o condão de cavalgar a náusea. A diligente pedagogia das virtudes quase celestiais do messias, emprenha-se no cérebro. Reparo como, em redor, o imparável regozijo traz um sinal que será a matéria-prima para sociólogos, psicólogos, porventura até teólogos: as gentes queriam uma figura que as enfeitiçasse.


Precisavam de acreditar, outra vez. O cansaço da desconfiança bateu no seu zénite. Um pulsar interior, tal como uma torrente vigorosa a precisar de se extravasar para fora de cada indivíduo, só estava à espera de uma figura cativante, que soubesse reavivar o afecto tão delapidado pela incúria dos que estavam quase a sair de cena. É por isso que há religiões com os seus deuses. Ou, para os ateus que recusam laivos de deificação, é por isso que há a necessidade de se ancorarem em heróis.


Herói ou deus, o homem ungido pela providência mostra a tremenda humildade dos homens comuns. Lá do fundo da sua irrelevância, ao entronizarem o messias deixam cair a máscara da pessoal inépcia. E reconhecem que só o messias é dotado da capacidade para lhes restituir a esperança que andava já esquecida. Mas: há quem não acredite em deus, nem em qualquer gesta de heróis. Os homens, todos feitos com a mesma argamassa. Acreditar em predestinadas personagens é o refúgio numa ilusão, numa ilusão qualquer – deus ou herói. Mas sempre uma ilusão.


1 comentário:

Rui Miguel Ribeiro disse...

A imbecilidade da esquerda europeia não tem limites. Soares é um lídimo representante dessa falange em Portugal e já "decretou" no DN que o mundo mudou para melhor (e o homem ainda nem tomou posse. Confesso que quase me diverte antecipar o que essa gente vai dizer daqui a 12 ou 24 meses...

P.S. Se há característica que este dito messias não tem é humildade; pelo contrário, anglicizando e popularizando, the guy is full of it.