24.11.08

(Tratar da) vidinha


O "bloco central" é muito isto: gente arrivista que sobe a pulso a escadaria do aparelho dos partidos e desagua na grande capital. Vinda de uma parvónia qualquer e, num belo dia, sai a taluda da supina grandeza de funções: chefiar um ministério; se o pessoal apagamento não cauciona tão elevada sinecura, uma secretaria de Estado já é o zénite aceitável para o pessoal garbo. Depois vem a maré que os leva do Terreiro do Paço. Não ficam a perder. Invariavelmente, passam a gravitar no hermético universo da alta finança, senhores de importantes, e bem remunerados, cargos em empresas de renome.


Sem falsos moralismos: não defendo que se devesse pôr um garrote no circuito sanguíneo entre ministérios e empresas e bancos. As pessoas são livres de transitarem por onde quiserem. Às empresas e aos bancos, quem pode censurar o oportunismo de deitar mão a gente que acaba de deixar públicos cargos, sobretudo a gente que se soube abastecer de invejável rede de contactos enquanto servidores da causa pública? Porventura um pouco mais de decoro não fosse mau conselheiro. Para as empresas e bancos, que não se conseguem desprender da imagem de pedintes do poder público. E dos que, mal lavam as lágrimas pela partida da sinecura onde faziam autoridade, logo vão carpir as mágoas para os braços de empresas e bancos que os acolhem contra generosa retribuição.


Outros furam mais longe. Fazem-se banqueiros. Inebriados: com o poder que amealharam enquanto lhes coube em sorte serem governantes; com a densa rede de cumplicidades que souberam tecer, sementeira do nepotismo que cultivam; com os salões da alta finança que passam a pisar, a oligarquia banqueira em embaraçado convívio com os neófitos banqueiros que trazem bênção política. Extasiados com o néon da grande capital, que sempre fora sonho saírem da província beirã que era pequena para a grandeza que, notavam, exalava das suas pessoas.


Um chegou a ser secretário de Estado dos impostos. Depois embarcou para Londres, onde se abarbatou com uma vice-presidência de um banco que gere financiamentos da União Europeia. Terminado o exílio londrino, fundou um banco. Sabe-se agora: o banco deve ter sido um sucesso estrondoso. Nestes anos, amealhou um pecúlio interessante para quem vem do nada: seis milhões e meio de euros de património, é o que consta. As curvas do destino pregaram-lhe uma partida: os próximos tempos serão de cativeiro, tantos os crimes de que é suspeito.


O outro é personagem querida de uma certa corte jornalística e de algumas revistas cor-de-rosa – na expressão do arrivismo social destas criaturas que desaguam vindas da província e se deslumbram com o crepitar da imagem pública exposta diante de uma audiência ávida de voyeurismo. Fez uma pausa na carreira política – dizem muitos, mais situados "à direita", uma promissora carreira política. Nesta sabática da política vai tratando da vidinha, acumulando importantes cargos à frente de empresas. Tão prolífico é no abichar de presidências de conselhos de administração que, julgar-se-ia, é guru da gestão. Só que esta não é uma terra normal, há que o lembrar.


A provar o que se suspeitava, a carreira política deste arremedo de Aznar luso (a colagem era mais evidente quando usava ridículo bigode) está apenas em banho-maria. É que, chamuscado pelo descalabro do banco há dias nacionalizado, e temendo ir na mesma enxurrada que levou o seu companheiro a ver a alvorada através da quadriculada janela dos calabouços, solicitou os bons serviços da televisão pública para pública operação de auto-branqueamento. (E o canal não podia negar o favor a quem fez a pública apresentação da biografia do chefe supremo – o livro docemente intitulado "o menino de ouro do PS". Há cumplicidades que dizem tudo.) Aquela pose de virgem pudica, a pose condoída, as culpas algures mas jamais sobre a sua pessoa, o perfeito sacudir a água do capote. É curioso: parecia um julgamento antes do tempo. Ironia do destino, a pessoa que envolveu como seu pessoal álibi já o desmentiu. Terá o povo razão quando adverte que é mais fácil apanhar um mentiroso que um coxo?


Dias Loureiro, é o nome que muitos "à direita" pronunciam como a noiva prometida para trazer o PSD de volta ao poder. Haveria muito a discutir, a começar por aqueles que deitam estas noivas prometidas algures na "direita", como na "direita" acomodam o PSD. Não é nisto que revejo "direita". E se a "direita" ultrapassa o meu discernimento e é mesmo isto, antevejo longa travessia no deserto a julgar pela qualidade das noivas prometidas que aparecem a cada novo horizonte, e o "Aznar luso" não é excepção. Com Oliveira e Costa, algo em comum: a fronteira entre política e negócios deixou de existir, numa intimidade perversa com os resultados conhecidos. Protótipos da casta cheia de ganância que usa os partidos e o aconchego do poder para fazer pela vidinha, pela sua privada vidinha. No sentido literal da palavra: comezinha vida, mesquinha vida, a destes meirinhos que poluem o serviço da "causa pública" com a pessoal avidez.


Derradeira perplexidade: foi Oliveira e Costa secretário de Estado dos impostos, fazendo-se passar por génio da matéria. Deve ser terrivelmente incompetente: se não, como podia ser acusado do crime de fraude fiscal?



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