Inexplicáveis acessos de tristeza. Por mais que cavasse nas profundezas de si, nesses momentos não conseguia encontrar razões para a tristeza, a intensa tristeza que o acossava. Andava assim, dias a eito, imerso nas densas águas da melancolia. Parecia cansar-se das coisas belas da vida, que até era de uma generosidade invejável. Nem percebia como o mergulho nas turvas águas da mágoa era um ultraje à bondade que o tinha agraciado.
Mas persistia, com paciência diligente, marcada na agenda a aleatoriedade da tristeza. Emergia como uma densa cortina de nevoeiro a toldar o brilho resplandecente dos dias soalheiros, primaveris mesmo, que eram a sua existência. Cedia perante a letargia que vinha em compasso com o sentimento de pesar. Escondia-se, para não deixar que a íntima mágoa fosse partilhada pelos que lhe eram próximos. Era um sentimento estranho. Como se despojasse da alegria a que a vida o convidada, cansado da alegria que, a certa altura, lhe soava estulta. A necessidade de pisar o pântano da pungência.
Só ao fim de demorados dias de uma perturbante tristeza que se acomodava já doentia é que começava a discernir o seu sabor. Sabia que a vida só tem sentido se os contrastes forem saboreados. Os olhos tinham que experimentar o que trouxesse agradáveis sensações e a dor da tristeza. O corpo tinha que sentir a euforia dos instantes de deleite e entregar-se à dor pungente das imagens que o dilaceravam por dentro. A coreografia só se encontra completa quando os passos pisam o suave, alcatifado terreno e depois experimentam as pedregosas vielas que sangram os pés.
Aquela inexplicável tristeza era patologia. Uma patologia paradoxalmente terapêutica. Como se fosse um medicamento necessário para temperar a euforia, quando a euforia vinha de rompante e deixava em si as sementes da perigosa sobranceria. Calmante tristeza, para domar acessos de doentio narcisismo que irrompiam, a espaços. Porque não queria deixar o casulo do anonimato. Porque o cortejo de elogios o causticava. Era estranho como se incomodava com as palavras encomiásticas dos outros. Temendo descair para o ensimesmamento típico dos narcísicos, refugiava-se na intensa melancolia. Rejeitava ser aquilo que nos outros os levava ao elogio. Senão, até os dias solarengos haveriam de perder a sua beleza.
Através da medicinal melancolia, domava os ímpetos que convocavam a soltar-se de dentro de si. Num esforço doloroso para se conter nos limites que aprendera serem as suas fronteiras. Havia, naquela tristeza, um pungente apelo para mergulhar nas profundezas do ser. Como se a tristeza fosse o castelo inacessível, o castelo de que era curador único das chaves que franqueavam o acesso. Da fortaleza onde depurava as nuvens plúmbeas que se acastelavam no seu horizonte, oferecendo o céu cinzento onde a sua tristeza adejava. Nesses dias, não percebia se procurava a tristeza ou se era a melancolia que se insinuava, espontânea. Quando dava conta do inevitável contraforte da tristeza, era tarde para interrogações, era tarde para resistir ao apelo da tristeza.
Quando os dias da inexplicável tristeza se extinguiam, era a mesma perplexidade que o acossava: da mesma forma inexplicável, a tristeza desvanecia. Era como se mudassem os ventos e outra carta meteorológica anunciasse a tristeza enfim deixada lá atrás. E percebia: que é pela tristeza que o seu contrário é mais sumarento. É na tristeza que os dias de sagração da vida se tornam intensos. Que faz sentido apreciar a beleza das coisas. Uma provação indispensável para descer às profundidades do ser e encontrar os vestígios, uns gramas que sejam, que povoam a vida na sua intensidade bela.
Era uma sadia melancolia. Recorrente tristeza que anunciava os fragmentos do seu contrário sempre que perdia o norte ao sentido da beleza da existência.
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