28.1.10

O homem sem beiças



Mesmo descontando a congénita desconfiança dos políticos, fico atónito com o entusiasmo de alguns militantes do PSD (e não só) com o homem que quer fazer a vida negra ao actual timoneiro da nação. O mal pode ser meu, concedo. Estou de pé atrás em relação a políticos inanes, só imagem e um punhado de slogans ocos como o vento fez ninho em suas cabeças. Passos Coelho, o ex-jovem (entenda-se: o antigo líder da "Jota" social-democrata, essa coisa pouco recomendável).

Fez uma sabática da política. Desertou das luzes da ribalta. Quase nos esquecêramos dele. Entretanto fez-se homem. A pulso, concluiu os estudos e trabalhou numa empresa a sério, sem procurar o beneplácito público que os medíocres carreiristas dos aparelhos partidários ambicionam. Como convém a um aspirante a aspirante a tomar o leme da pátria em mãos próprias, já não desfila em pose juvenil, aquelas camisas desportivas de marca com as mangas arregaçadas a três quartos. Agora, fato e gravata, sóbrios. Até porque o rival que aspira derrotar tem um séquito que construiu o mito do saloio com fatos Armani que, só por isso, passou a ser um dos mais elegantes do mundo (dizem).

Podia andar para aqui a perorar sobre o livro que Passos Coelho escreveu, "Mudar" de seu título. Podia sublinhar a vacuidade que dele tranquilamente transpira. Podia interrogar o que leva ao êxtase com a personagem se ela tem um discurso sem sumo, empertigado no recalcamento do complexo "yin e yang" dos partidos do bloco central, tão irmãos em tantas coisas. Até nisto: há tanto tempo arredados da labiríntica mansão do poder, a sofreguidão de prebendas públicas parece coalhar o entendimento. Nem conseguem perceber, os meus amigos do PSD, que a personagem é uma espécie de Sócrates alaranjado. Convenhamos: com menos pesporrência e, para já, sem tiques de autoritarismo; falta saber se manteria a pose se o poder lhe caísse no regaço.

Quero lá saber que os partidos da alternância sejam ainda mais parecidos se Passos Coelho, o homem sem beiças, subir ao trono. Fala de viva voz o irrecusável, patológico pessimismo: como isto vai de mal a pior, piorar mais só em dantescos pesadelos. Assim como assim, é-me indiferente o que se passa e o que se segue ao que se passa.

O que quero saber é daquele traço fisionómico que distingue o candidato a candidato a primeiro-ministro: a falta de lábios. Os homens sem beiças inquietam-me. Eu vejo lábios carnudos como o paredão de uma barragem que protege contra a logorreia. Um homem de lábios finos, de lábios imperceptíveis, é desprovido de filtro contra o frívolo palanfrório. Os homens sem beiças deviam ser motivo de todas as desconfianças. Se eu fosse militante do PSD e estivesse aturdido com o futuro do partido (o que parece acontecer a poucos dos ditos), ia ao congresso elaborar a teoria da perigosidade do homem sem beiças. O homem sem beiças é de uma inexpressividade macilenta. Não sei se é augúrio (ou oráculo) dos passos perdidos que esperam este partido. Quem ainda acredita que saem coelhos da cartola?

Tenho uma leve suspeita que o querido líder, ansioso para evitar a arenga política com um quase clone, meteu agentes infiltrados na confusão reinante que é o PSD. A arenga com uma alma gémea afigura-se explosiva, com resultado incerto. Até agora, o timoneiro ganhou as pugnas eleitorais contra fracotes. Temendo que o homem sem beiças consiga debitar promessas eleitorais por minuto a uma cadência insuperável e que consiga cativar muitos desiludidos com a cansativa e já muito demorada governação dos que lá estão, o querido líder gostaria que outro fosse o líder daquele espatifado partido.

Não tenham pena do homem sem beiças se voltar a perder a liderança do partido laranja. Honra lhe seja feita: pode um imenso deserto de lugares-comuns povoar aquele cérebro, mas não fica no desemprego nem de mão estendida à espera de ser premiado com uma sinecura qualquer num organismo público. Exemplos? Há tantos. Alguns coitados socialistas candidatos a autarcas que foram derrotados e que, como prémio pela derrota, foram promovidos a secretários de Estado ou a governadores civis. Temos que aplaudir a generosidade. Em vez de caírem em depressão por carpirem as mágoas da derrota eleitoral, ensaboaram-nos nas delícias do poder governamental. Os amigos são para as ocasiões.

E o homem sem beiças, também tem na sua roda de contactos muitos amigos destes?

1 comentário:

Anónimo disse...

teste de comentario