27.8.10

Evocar a glória ausente de outrora, ou apenas um caso perdido?


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Nos últimos dias tenho lido algumas análises sobre o “estado na nação” carregadas de cepticismo. Quase todas tresandam a um saudosismo evocativo dos tempos áureos em que éramos motivo de orgulho para o mundo, ainda que o mundo fosse uma janela muito exígua comparada com o enorme portal que é hoje. Em contrapartida – choramingam os saudosistas – hoje somos uma irrelevância. Alguns resgatam as memórias que fazem parte do imaginário colectivo, aquelas que vêm narradas nos livros de história em forma de teatralidade heróica. É quando o conservadorismo se abraça a um nacionalismo (para mim) saloio.
Não são apenas alguns intelectuais e gente da opinião publicada que deslizam para o nacionalismo saudosista. Nas artes, particularmente na chamada “música moderna”, há um pequeno reduto que rema contra a maré (pois os “ícones” do género são convenientemente de esquerda). Há por aí uns rapazes, os Golpes, que foram ao baú das recordações desenterrar a parafernália cénica dos Heróis do Mar. Trinta anos depois, regressa a cruz de Cristo, o olhar altivo que se perde no firmamento onde se prometem as grandiosas luzes da pátria agora amesquinhada, as estrofes que cantam a grandeza de outrora, em chorosas ladainhas que enfatizam, nas entrelinhas das estrofes, como estamos fadados a uma pequenez esquizofrénica.
Será natural que o tempo determine mudanças no pensamento. Na década de oitenta admirei os Heróis do Mar, como admirava um poeta marginal como António Manuel Couto Viana. Em parte, na altura era-me simpático o referencial nacionalista. Em parte, também, porque na década de oitenta, antes de entrarmos para a Europa que marcou o reencontro com a civilização, talvez fizesse sentido a saudade das épocas grandiosas em que andávamos dois passos à frente dos outros. Hoje, que estamos na Europa de corpo inteiro; e hoje, que a Europa se enraizou de tal forma por dentro de nós que seria catastrófico pensarmo-nos no exterior dela, a evocação desse saudosismo nacionalista é um anacronismo.
Regresso ao início do texto, às muito cépticas leituras do “estado da nação” de gente que milita na direita conservadora. As lamentações pela desdita da pátria passam-me ao lado. Elas marinam num imobilismo temporal que marca o compasso errado no contexto dos ventos dominantes – mesmo que não gostemos do odor que nos trazem esses ventos, pois mãos algumas conseguem-nos desviar do seu curso. É isso que mais incomoda neste nacionalismo embebido na saudade. Precisamente: essa grandeza foi-o lá atrás, naquele tempo emoldurado nos livros de história, no tempo irrepetível. Já devíamos ter aprendido (em rigor, deviam eles, os nacionalistas empoeirados) a conviver com a pequenez em que nos tornámos sem a transformar num drama. O mergulho no passado, com a poeira que vem atrás, é a sarjeta onde fermenta a depressão colectiva que leva a lugar algum.
Não estou a sugerir que o pessimismo empedernido dos nacionalistas da saudade seja a antítese do retrato actual. Mal por mal, já chegam os abundantes fragmentos de cepticismo quando olhamos para o quadro pintado a cores tão sombrias. Evocar os feitos dos heróis intemporais (descobridores e missionários que converteram os bárbaros ao catolicismo), só serve para coalhar a patologia da mediocridade existente. A deambulação sebastianista apascenta o mais doentio dos cepticismos. É quando vem à memória a parte derradeira do “Manifesto Anti-Dantas” de Almada Negreiros:
“(...) Portugal, que com todos estes senhores conseguiu a classificação do país mas atrasado da Europa e de todo o Mundo! O país mais selvagem de todas as Áfricas! O exílio dos degredados e dos indiferentes! A África reclusa dos europeus! O entulho das desvantagens e dos sobejos! Portugal inteiro há-de abrir os olhos um dia – se é que a sua cegueira não é incurável, e então gritará comigo, a meu lado, a necessidade que Portugal tem de ser qualquer coisa de asseado!
E digo: é que já nem sequer ser assim asseado terá préstimo algum.

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