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Uma terrível tirania pautada por todas as clepsidras que enclausuram a medida do tempo. Tudo tem um prazo. Tudo é medido na escala do tempo. Andamos a compasso dos ponteiros que marcam a cadência dos calendários. Umas vezes parece intemporal, quando queremos que o tempo se apresse, a impaciência a reluzir com a aparente, exasperante lentidão dos ponteiros. Outras vezes, é como se fosse um relâmpago que tão depressa detona como se extingue na morosidade de um instante que se consome.
O tempo que nos aprisiona é uma invenção que recorda a essência temporária de quem fita a imortalidade pelo binóculo da impossibilidade. É uma sucessão de instantes que se consomem na sua efemeridade. Uns atrás dos outros, tecem-se no novelo da existência. Umas vezes é um emaranhado, outras vezes reduz-se a uma vanidade sepulcral. As ataduras do primeiro revolvem-se nas vagas alterosas do tempo que açambarca, pela sua finitude, os horizontes que se liquidam na necessária pequenez. As lautas ambições esbarram na tirânica dimensão do tempo. No novelo da simplicidade, o tempo é uma linha recta desprovida de espinhos, uma clarabóia por onde se extrai toda a claridade da existência.
Não param de sussurrar, num desafio que é um perene ecoar no labirinto da mente, quão efémeros são os instantes que se atropelam numa desordenada sucessão. O grande desafio é prolongar cada instante, como se houvesse forma de estender os minutos para além do espartilho das convenções. Ou como se fosse possível aos dedos entrarem na campânula dos relógios, retardando a marcha dos ponteiros com a sua força. Para estenderem o agora até entrar na dimensão que já pertence, pelos cânones de hoje, ao depois.
Só que os ideais tropeçam na paisagem que revolve os sonhos. À pungente existência não interessam os malabarismos oníricos. Os corpos movem-se nas contingências adulteradas pelos suspiros possíveis do tempo, fluindo ao sabor da corrente sempre cadenciada das clepsidras que estampam a temporalidade. Podemos ambicionar que o agora se prolongue para além da sua dimensão, podemos até inventariar um sofisticado catálogo de truques que atraiçoem os desagradáveis ponteiros dos relógios. Até podemos conseguir viver numa espécie de letargia onde todos os relógios se suspendessem de si mesmos.
Algures, contudo, os pés haveriam de aterrar no solo pedregoso. Retomariam o lancinante, inadiável espectro da invenção do tempo. Até que os relógios, todos os relógios, nem sequer fossem objectos de culto mesmo para os seus cultores. Seriam apenas uns biltres que advertem da impossibilidade do tempo perene. A imortalidade sobra para os sonhos. Podemos julgar que os deuses – ou apenas a sucessão de científicos actos que arquitectaram a existência – conspiraram contra as ambições de perenidade. Por isso inventaram o tempo. A medida dilacerante da nossa efemeridade. O tempo que corre à cadência dos dias e meses e anos lembra-nos que somos reféns da mordaça das clepsidras. Nestes relógios de água mergulhamos na negação da intemporalidade. Diz-se que emprestam à existência uma cadência desconfortável, como se fossem tiranos que asfixiam as esquálidas ambições de infinitude. Pelo contrário: a invenção de tempo tem a serventia de despertar da letargia própria de quem se entrega à dolência dos adiamentos. A terrível insensatez dos adiamentos, o mais que consegue é apascentar um arrependimento. E o arrependimento amplia a mordaz temporalidade.
Se é invenção, o tempo serve para que saibamos devorar a vida pelas entranhas, dela retirar tudo o que nela frutifica. O que interessa não é a ilusão do prolongamento de cada instante para uma dimensão etérea, uma dimensão que contraria a natureza do que é um instante. O que interessa é que haja milhões, e muitos, de instantes sedimentados.
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