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Santos Silva, ministro da defesa nos intervalos em que trata da propaganda do governo, deu uma entrevista em que anunciou, com pompa e circunstância, que íamos meter uns espiões no Líbano. Caiu o Carmo e a Trindade. O homem foi acusado de não ter perfil para o cargo. Anda por aí muita gente ofendida, sugerindo ao intelectual da propaganda que só falta revelar as identidades dos agentes secretos que vão espiar para o Líbano.
A primeira confusão que este tempestade num copo de água me causa é a seguinte: mas que raio vão os agentes secretos espiar para o Líbano? De vez em quando, ainda somos assaltados por estas irrisórias manifestações de grandeza que serão as sobras que vêm do tempo em que ainda éramos uma potência acidental. O mestre da propaganda que aterrou de pára-quedas no ministério da defesa podia ao menos elucidar as gentes sobre a serventia da missão de espionagem no Líbano. Como estamos habituados a que a malta de espionagem exerça a função em sítios sensíveis para a defesa da integridade do território e dos interesses nacionais, fico sem perceber por que se escolheu o Líbano. E porque não as Ilhas Faroé?
Depois há a injustiça nos ataques ferozes que foram lançados à augusta personagem que manda nas tropas (depois do presidente da república). Houve até alguns que exigiram a demissão do ministro, por manifesta inépcia para o cargo. Que seria imperdoável dizer o que disse numa entrevista a um jornal, pois a espionagem não se compadece com a franqueza e a transparência que o ministro trouxe para a imprensa.
Tudo no seu contrário. Santos Silva é um visionário (como ficou comprovado quando deu à estampa, há um par de meses, um ensaio em que oferece ao escrutínio público não-sei-quantas-teses de esquerda moderna). Anda três passos à frente do tempo e de todos nós. Limitou-se, por palavras que se lêem nas entrelinhas, a confirmar a irrelevância internacional que somos. Assim como assim, mais tarde ou mais cedo os outros serviços secretos (os que são eficazes) vão descobrir a identidade dos bravos espiões pátrios. O ministro da defesa poupou-lhes esforço. Deu o seu contributo para que os eficazes serviços secretos (os dos outros) se concentrem em espiar quem periga a segurança do mundo.
Eu, que já por aqui escrevi um par de vezes sobre a incoerência dos serviços secretos no contexto do moderno Estado de direito, sinto regozijo com a entrevista do ministro da defesa. É uma pedrada no charco. Enfim, um pouco de transparência no indevidamente universo fechado dos serviços secretos. Estou-me nas tintas para os muito sérios que nobilitam a função, argumentando que os serviços secretos são, por definição, secretos – logo, imunes ao escrutínio que submete a actividade pública ao império do direito. Quando se abrem precedentes é meio caminho andado para que mais e mais actividades públicas reclamem a excepção, querendo fugir ao chicote da lei. Nessa altura, começam a sobrar apenas uns cacos do tal Estado de direito. Que não passará de retórica.
Ao contrário do coro de críticos que exige a demissão do augusto ministro da defesa, até acho que ele provoca menos dano a sê-lo do que na função que o popularizou (não pelas melhores razões) e que ainda agora chama a si – a de ideólogo da propaganda do governo. Se me é permitida a ousadia, deixava aqui um par de sugestões para a augusta personagem continuar a ser um visionário ministro da defesa: primeiro, levar a transparência até ao fim e identificar, com nomes e fotografias, a lista dos agentes secretos; segundo, dar os primeiros passos para deixarmos de ter forças armadas.
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