30.8.10

Digno de revista cor-de-rosa


In http://images01.olx.pt/ui/2/51/38/19324338_2.jpg
Mas passou-se num qualquer jornal de referência (não me lembro qual): sua excelência, o presidente da república, usa, nas obrigatoriamente internas férias, uns calções de praia de uma “chiquérrima” marca francesa (já não me lembro qual) que custam entre cento e dez e cento e sessenta euros ao exemplar. É nisso acompanhado por um punhado de “notáveis”, que também se passeiam nas praias algarvias com aqueles calções da moda. O professor Marcelo, o inevitável Deus Pinheiro (um must do jet set doméstico), o inefável Pinho que deixou de ser ministro atraiçoado por uns espontâneos chifres parlamentares (o novo rival de Deus Pinheiro no jet set caseiro, na variante políticos com queda para as revistas cor-de-rosa).
Ao ler isto, senti que cresci um bocado no fim-de-semana. Por um lado, se isto de tapar as partes pudibundas com uns calções de cento e sessenta euros fosse revelador dos pergaminhos, estava reduzido à ausente linhagem – os calções que foram ontem à praia custaram vinte euros. Por outro lado, é imperativo que saibamos, através da imprensa sempre disposta a noticiar o indispensável, que um punhado de “notáveis” (como adoro o qualificativo!) faz gala em usar aqueles calções de banho da muito chique marca francesa. Se fosse dado a conspirativas teorias, diria que a notícia tinha sido encomendada pelo representante da muito chique marca francesa. Aliás, o representante foi entrevistado, desfilando as virtudes que justificam o preço nada módico da frugal peça de vestuário. Ganhei uma noite de sono tranquilo ao saber que o Pinho vai à loja e sai de lá com um carregamento de calções de banho da moda para distribuir pelos varões da família (ele incluído).
Como todos aqueles aspectos são – como dizê-lo? – determinantes para o andamento da pátria, os jornalistas deviam ir mais a fundo na capacidade investigativa. Se é assim tão importante saber a marca do farrapo que tapa as partes nobres daquela gente “notável”, podiam entrevistar à socapa as mulheres-a-dias de todos aqueles “notáveis”, contra ao pagamento de um soldo generoso, para ficarmos a saber a marca e a cor das cuecas que eles envergam quando não põem o calção de banho na época estival. (Só dispensávamos saber com que frequência são mudadas, para não termos, eventualmente, uma decepção.)
Haveremos todos de aprender que os destinos da nação dependem da qualidade da fazenda que ampara as partes baixas dos “notáveis” que têm uma palavra a dizer. Só que os jornalistas de costumes que enxameiam até jornais de referência não deviam ser parciais na triagem. É que o timoneiro da pátria – que a diligente propaganda oficial fabricou como um dos mais bem vestidos do mundo... – passou incólume numa exibição burgessa que é seu apanágio quando se esfarela a casquinha do artificial verniz que esconde o labrego que há em si. Foi quando apareceram umas fotografias da personagem refastelada numa espreguiçadeira de um luxuoso resort algarvio envergando uma t-shirt da feira dos ciganos, uns calções vermelhos de duvidosa estética e uma peúgas brancas em cima das sapatilhas de atletismo. Que me tenha sido dado a ler (e leio muitos jornais), nenhum plumitivo dos costumes chamou parolo à personagem.
Só mais isto: ninguém se lembrou, mas temos aqui matéria sensível para um protesto das feministas (que devem estar de férias e distraídas das notícias que importam). Elas não se atiraram furiosamente ao enviesamento de género que vinha na notícia. Pois que há por aí tantas “notáveis” e não sabemos a marca de biquíni que elas popularizam nas praias.
Se calhar, está tudo de férias. Até os factos que importam para as notícias que o devem ser. Vai daí, estas minudências risíveis saltam para letra de forma nos jornais.

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