23.5.11

As sentidas mesquinharias


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Há coisas que deixam de interessar por mais afamadas que sejam. Dizemos, amiúde, “quero lá saber” enquanto desviamos o olhar para onde se sitiam as vacuidades do tempo presente.
Que interessam as eleições, ou o modo só aparentemente composto dos que se fazem à sinecura parlamentar, ou os candidatos a candidatos a candidatos a coisa alguma dos aparelhos partidários que protegem o líder das incómodas perguntas de plumitivos não amestrados? Que interessa a crise e a dívida pública e a crise da dívida pública, mais o ajuntamento de peritos estrangeiros que por aí entrou para deixar a crise com um freio? Que interessa se tudo é uma encenação monstruosa, os eleitores de sorriso rasgado convencidos de que contam para alguma coisa se nem sequer curam da respectiva lucidez?
Que interessam as proezas da bola, se a bola é um microcosmos e não, como julgam os excitados adeptos, um retrato em jeito de paradigma? Que interessam os mísseis despejados sobre a Líbia, ou as pedras atiradas na Palestina, ou as diatribes sexuais (para não dizer, na versão condescendente dos acólitos, “pose de sedutor”) do homem que já deixou de ser patrão do FMI? Que interessa a hipocrisia dos negócios e dos seus mandantes, que lhes não interessa o dinheiro salpicado de sangue derramado em conflitos ignóbeis, ou o sangue vertido por crianças exploradas e trabalhadores sem condições decentes? Que interessa a elite angolana e as negociatas? Que interessa o Professor Boaventura mais as suas teorias vesgas, que interessa se ele fantasia que a dívida que temos devia ser comprada pelos angolanos, por esse capital tão recomendável?
Que interessam as manobras de baixa política? Que interessam os golpes baixos, as desonestidades ocultadas e depois, se preciso for, apregoadas como arquétipo de um savoir faire? Que interessam os pacóvios que dizem ámen, estes lorpas comidos sem o saberem enquanto levantam a cancela do voto que perpetua a oligarquia dos de sempre? Que interessa se estes pacóvios protestam e depois insistem no erro, como se de repente, na hora H, se hipnotizassem por uma demência que não guarda explicação? E que interessam os conflitos, os que lemos nas páginas de jornais, ou os pessoais conflitos que se comprometem com a nossa agenda?
Que interessa o aquecimentos global, a pirataria informática, outro vulcão na Islândia, mais outro atentado no Iraque que num estalar de dedos levou setenta vidas, a criminalidade na África do Sul, ou as navalhas escondidas nos bolsos dos pequenos meliantes citadinos, mais a degradação do aljube onde darão com os ossos? O que interessam os cataclismos, a imprensa cor-de-rosa, a extemporânea beatificação de um Papa recente, os rascunhos de um arquitecto da moda, ou um grupo afamado que publicou um disco que é um aborto?
Sobram, e muitas, as interrogações. Não demandam respostas. E não são perguntas de retórica. São apenas interrogações à boca de cena, enquanto o pau vai e volta sobre as costas já encardidas de tantas cicatrizes mal saradas.
Mas há algo que importe, entre este vasto lodaçal acre onde se exala uma pestilenta atmosfera? Os gestos simples, pessoais, impregnados de significado, os gestos e as palavras que se resguardam no anonimato. As recompensas individuais, por mais supérfluas que pareçam. As mãos estendidas que tocam noutras mãos recolhidas – mãos, umas e outras, desejadamente sequiosas. E acordar as manhãs todas. E abrir os olhos, notando que as paredes em redor não são serventuárias de pesadelos negros.

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