4.5.11

A uma filha

In http://atuleirus.weblog.com.pt/arquivo/maos.jpg
(Em jeito de carta aberta)
Que importa se sou acordado quando há pesadelos nocturnos que interrompem o teu sono a meio da noite? Não tem mal que o meu sono fique prostrado. Só por saber que os teus temores levam a abraçar-me, amarrotando a minha cabeça na almofada, e todas as compensações se levantam ao alto. Não, não me interrompes o sono. A tua chegada é um bálsamo que embarga um sono tumultuoso. Assim que o teu corpo habita a minha cama e sinto os teus braços firmes à volta do pescoço, é como se o mais pujante dos calmantes se apoderasse de mim. O sono que vem depois é uma quimera.
Este sentimento filial é um pedaço de céu. Às vezes, quando uma insónia coalha o sono, espreito na luz embaciada do teu quarto (aquela luz que afugenta os fantasmas que alisam os pesadelos) só para contemplar a expressão serena vertida do teu rosto. Os lábios suavemente cerrados, que às vezes decaem em esgares, são a pauta onde se compõem os teus misteriosos sonhos. Só de saber que entro nesses sonhos fico repleto.
Demoro o tempo que for necessário ao pé da tua cama. Demoro-me a olhar o teu rosto, um imenso mar de serenidade onde apetece repousar. Pego na mão que deixaste fora dos lençóis. A mão fria estremece quando nela repouso a minha. E depois estremeço eu quanto a tua mão aperta a minha com a suavidade da tua existência. E ali fico, ajoelhado diante da cama, enquanto as insónias irrompem pela noite dentro. E nem os joelhos que já gritam em dores dissolvem o amplexo de sensações indizíveis que navegam, em arrebatamento, pelas veias.
É toda uma ternura singular, este sentimento filial. Já que há um dia do pai e outro da mãe, só uma injustiça do tamanho do mundo perdoa a ausência de um dia do filho. Não é que mudasse muito na perene homenagem que um pai dedica à sua filha. Era mais pelo simbolismo. Era como se nesse dia houvesse uma bebedeira de carinho deposta na filha. Esse dia haveria de calhar sempre à semana. Para não haver escola e o pai ser dispensado do trabalho só para passar um dia inteiro a amimar a filha. O dia em que todas as vontades da filha eram satisfeitas. O dia da mais sublime das homenagens que são merecidas todos os dias pela filha. Um dia, aliás como todos os outros, em que o pai se despoja em entrega.
Há este encantamento que se funde com um orgulho, o maior orgulho que desfralda a proeza singular de uma existência. Um remoinho de afectos onde nada se esgota, onde a cada dia que te vejo crescer se agiganta um amor ímpar. E mesmo naqueles dias em que a rispidez se enquista nos raspanetes que caem em cima de ti, são raspanetes preenchidos por um carinho único. Repara bem: por que me haveria de entregar à indisposição de uma descompostura se ela não viesse pelo teu bem?
Olho para ti e sacio a minha existência. Deixa-me dizê-lo com todo o oportunismo: és o resgate de uma solidão. 

1 comentário:

Anónimo disse...

Palavras agudas de pai, sempre conjugadas no incondicional...