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Mote: The National, concerto no Coliseu do Porto (23.05.11)
Tristeza em estrofes, mas os acordes em dissonância. Distantes das cores embaciadas das estrofes. Um slogan de promoção ao concerto, numa rádio qualquer, exaltava dor, raiva, melancolia.
As mortificações interiores desbastam versos inflamados. As veias incendiadas pela dor parecem contagiar outra veia, a criativa, através de palavras sentidas que arrebatam os seguidores que algum dia mergulharam nas águas açudadas do desgosto. Faz furor, o estilo. Açambarca seguidores, por revisitação de palcos que soam a agnição. As torturas, quando o são de outrora, soam a esquivança quando as melodias acompanham estrofes condoídas. As lágrimas evocadas pelas palavras entoadas são um sobressalto exterior. Soam a nada, à fungibilidade das cinzas depostas que selam os sedimentos olvidados.
E, no entanto, há uma terrível sedução pela melancolia cantada. Por mais escorada que seja a lucidez, remetendo as nuvens acasteladas dos pesares pretéritos a um nada, os sons que cavalgam palavras impregnadas de mágoa cativam as memórias. Um indeclinável convite a retomar as cinzas da misantropia. As cinzas, alisadas no solo pela ausência de brisa, são desembainhadas à passagem dos pés poltrões que arrastam o corpo suicida para um inútil precipício. Músicas em forma de cianeto, ou o desassossego da sobriedade domada a tanto custo.
Dir-se-ia: não é consentida a discórdia do estilo. Dantes já houve páginas sibiladas pelo punho da dor interior, apimentadas pela ira insubmissa. Ao espreitar por detrás do tempo, é a sobranceria que cauciona o desdém pela melancolia alheia? Quem sabe se, mais à frente, não regressam os dias dos pesares? Nessa altura, haverá paciência para as palavras doídas lavradas em exteriorização da melancolia?
Porventura, direi: o que conta é o hoje que se sente. Desinteresso-me pelo pretérito, renego os pesares cristalizados em forma de palavra, ou os que nunca foram decantados pelos confins da consciência. E desinteresso-me do porvir onde medram incógnitas ferventes. No altaneiro posto do tempo presente, onde se expõe o retiro imarcescível, só vale sorver pela raiz a grandeza dos minutos. Eles desfilam com uma (julgamos) ilegítima voracidade. Seremos suicidas ao ponto de os desprezarmos, ao ponto de sermos carrascos do nosso próprio tempo que desfila debaixo da existência?
As consumições de outrora, quando regressam das reminiscências, adiantam-se em forma de melancolia gravada em palavras ou músicas ou lembranças ou evocações de lugares revisitados. Deviam ser culpadas do torpor que sobressai nos interstícios da inútil melancolia. Quando as forças interiores afinal desmentem o diagnóstico da fortaleza, o corpo sucumbe à convocatória dos pesares. Uma lamúria colectiva, milhares de almas em condoída peregrinação. Se as lágrimas mentais fossem vertidas no recinto, uma inundação tomava conta do lugar.
Pode sempre sobrar a alíquota artística, o feérico espectáculo dos sons e das luzes e do desempenho dos músicos, como se a performance fosse desprovida de matéria sumarenta. Podem muitos interrogar-se: e que interessa esquadrinhar a hermenêutica das palavras entoadas se os sentidos transigem o resto? Talvez devêssemos desconhecer línguas. E, talvez, devêssemos desligar o entendimento como se o artista não arrastasse pelo palco os pesares em forma de estrofe.
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