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Os cães de fila atiraram-se a Juncker, o líder dos países da zona euro: organizou uma reunião secreta só para um punhado de ministros das finanças de primeira categoria e depois desmentiu-a. Foi apanhado numa cilada. Um dos confrades presentes confirmou a tramóia. É tramada, e feia, a mentira – ensina-se nas escolas, e nos areópagos da santa moralidade, às criancinhas. Também se lhes ensina que a política é coisa nobre, pois casa-se com a muito estimada democracia. Mas esbarramos em políticos que são mentirosos compulsivos e pomos em causa o catecismo que nos andaram a ensinar quando tínhamos a idade das ilusões.
Às vezes, os mitómanos enredam-se nas teias da retórica. Não mentem; ocultam a verdade. Outros recusam-se a admitir que mentem, atirando-se para os braços da “inverdade”. Ora, uma inverdade não é uma mentira (como é sabido...). É uma mentira pequenina, perdoável. O que foi dito ontem e desdito hoje não conta para o rol das mentiras. Ou porque as palavras são retiradas do contexto (o contexto tem as costas largas). Ou porque as “circunstâncias mudam” – e depois aterram os latinórios dos juristas a conferir autoridade à explicação, esbracejando uma cláusula “rebus sic stantibus” (e, como todos sabemos latim, ou todos fomos confrontados com latim enquanto estudámos direito, ficamos esclarecidos).
Tenho pena dos que dão a cara na política. Não deve ser agradável andar na rua e ver as caras forasteiras a dirigirem um olhar com aquele ar de quem diz para os seus botões “olha o sacana”. Imagino quantos não têm o desprazer de escutar (em surdina, ou em alta voz) observações desagradáveis sobre a sua idoneidade. Não há preço que pague o anonimato. O estigma da mentira pesa sobre os actores que pisam o palco da política. Se a consciência não couber num escaninho da algibeira, não é agradável repousar a cabeça no travesseiro por uma multidão achar que somos distintos mitómanos.
Os petizes que abandonam a idade da inocência dão de caras com a mentira. Aprendem a mentir, pois a mentira é a lei que separa os que ficam para trás dos que vingam no meio da selva. A mentira necessária, ou a pior das mentiras que é a compulsiva, entram na corrente sanguínea. Como a populaça é instruída no convencimento de que os actores da política são gente acima de suspeitas, um escol que merece perenes genuflexões, a populaça aprende com o exemplo que vem de cima. Se é dado aos figurões mentirem com todos os dentes que têm, por que não pode a anónima gente escorregar para uma mentirinha aqui e ali?
Há gente que de tanto morder o freio da mentira, com aquele ar impassível de quem jura pela santa mãezinha que abocanha a verdade, cai no logro dos que não merecem um grama de confiança. Quando abrem a boca e articulam palavras em frases solenes, sabe-se que é nos antípodas daquelas frases que habita a autenticidade. Sobra para memória futura uma legião de seguidores da criatura. Ou são néscios e confiam, com cegueira, em todas as patranhas. Ou sabem das petas mas são tão mentirosos como quem desfia o novelo das mentiras.
E quando a maioria renova a confiança num mentiroso, só temos que temer pela sanidade mental de todos. A começar por essa maioria.
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