13.6.11

Homem objecto


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Sentia uma imensa frustração. Uns queixavam-se dos desamores que os atormentavam. Outros nem tanto: apenas destilavam uma salutar inveja por causa do sucesso que conseguia junto do sexo oposto. Mas ele passava pelos dias com o rosto da simulação, como se houvesse garbo na pose de conquistador. Imerso num profundo paradoxo (tinha o que os outros lhe invejavam), não se desligava do íntimo desassossego que o acossava. Não havia garbo algum pela pose de conquistador.
Não tinha como negar: tudo se conjugava para que fosse um homem objecto. Merecia revisão de termos o mito contemporâneo, alimentado por levas de feministas arrevesadas, de que só as mulheres eram tratadas como objectos nas mãos das intumescidas hormonas varonis. Concedia: elas são mais vistosas, e mais procuradas pela excitação descontrolada de machos com o cio. E se houvesse uma versão subtil que se jogasse num tabuleiro com as peças invertidas? E se os homens – alguns homens – decaíssem como homens objecto?
Alguém lhe dissera, reproduzindo palavras alheias, porventura em exclamação de despeito: ele arrebatava as atenções das donzelas por mero proveito de imagem. Um palmo de cara, o corpo atlético, um charme que desarmava. Mas era só isto. E ele, que nunca aspirara à condição de intelectual, ficava condoído ao esbarrar neste cru diagnóstico de si mesmo. A interrogação que adejava, plangente, era esta: seria apenas um papel de embrulho que se oferece ao primeiro contacto? E por detrás do atraente papel de embrulho não haveria predicados com merecimento?
Os anos passavam e as loucuras transactas eram já um ponto de mira afinado em contraposição das acções. O tempo desenvolvera um sentido que se distanciara do epicurismo de outrora. Já não contavam as proezas que enchiam o imaginário alheio e o garbo pessoal, inflamando uma pose sobranceira que não cativava simpatias excepto entre as que caíam no engodo da converseta de afamado conquistador. Agora as madrugadas desatavam um penoso cortejo, que ia pelo dia fora, em que se interrogava se não passava de uma imagem sedutora e, por dentro, a inanidade completa. Era um dilema pungente, logo a ele que tanta espécie causava a frivolidade decantada pelos outros.
Podia dar-se o caso de o diagnóstico que o sobressaltava não tivesse correspondência com os factos. Podia ser um simples arrebatamento impensado do despeito com que se tenta reduzir a nada quem se acha merecedor desse nada. E que fosse. Por cima do despeito a carecer desvalorização, sobrava a interrogação que o torturava: não haveria predicados interiores que fossem ágeis detonadores do encantamento de outrem? Quem lhe dera que a atracção alheia viesse ancorada a uma personalidade adorável, à por tantos escritores deificada “beleza interior”.
Andava acabrunhado com estas dores interiores. Já nem se fazia notar pelos créditos de sedutor. Os dias passavam, anómalos. Como se estivesse numa campânula imune à passagem do tempo. Não são só elas que se jogam no infamante sarcófago em que se atamancam como mulheres-objecto. Há afinal um lugar, por mais remoto que pareça, onde se confinam homens objecto.

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