27.6.11

“O medo de não poderes fugir de ti”


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À cabra cega, jogas, insano, com os dados do destino. Com a leviandade própria dos rapazotes em pueril erupção cutânea, como se não tratasses da lucidez necessária aos passos sensatos. E, todavia, interrogas-te sobre o significado da sensatez. Ao de cima vem a medida de subjectividade que embacia as bissectrizes tiradas. Quantas vezes o que hoje parecia sensato vem-se a revelar um desastre quando o futuro encomenda a retrospectiva do tempo?
Às vezes sentes medo do que és, ou daquilo em que te tornaste. Incomodam-te os laivos que admites serem a antítese da tua têmpera. Mas a antítese de ti até pode ser o que julgavas ser a tua essência. O juízo descarrila quando já não sabes os limites das margens sulcadas pelas águas interiores. Às duas por três, as águas transbordam, ocupam os campos em redor, desviam-se do leito que julgaras ter sido feito para essas águas. As águas experimentam o sal de outra terra e desatam-se as interrogações: quais são os terrenos férteis dessas águas? Que nomadismo se acomete na intemporalidade que parece não ter fim?
Andas nisto, assoberbado pelos teus limites. Temeroso de que os limites identificados sejam as algemas que impedem a liberdade de ti mesmo. Sentes que estás dentro de um espartilho, como se tudo dentro de ti quisesse ser mais alto do que é dado a aspirar e um fantasma qualquer adejasse na perene impossibilidade das fronteiras em que esbarras. Fala mais alto a sede do desconhecido, pisar as terras que jamais foram pisadas, deixares que as águas interiores se soltem dos limites que as amordaçavam.
O medo, que traz em sobressalto constante, é a incapacidade de rasgares as fronteiras em que te aquartelas. Um profundo cansaço interior, as masmorras entediantes onde enquistas a monotonia. À noite o sono inquieta-se com um pesadelo: vês-te na rua a fugir da tua sombra, o vulto de ti mesmo empunhando um punhal em pose ameaçadora. Tropeças num passeio, ensaiando a queda de que escapas no derradeiro momento, quando o vulto arremetia para a estocada final. Horas nisto, numa perseguição implacável que não semeia o cansaço da presa e do caçador. És tu a tentar fugir de ti mesmo, do que és, ou daquilo em que te tornaste. E em vez de capitulares, em vez da presa ceder à fadiga (de si mesma), persistes na demanda. Encerrado numa perturbante contradição, empreendes a fuga do eu que te consome mas recusas a captura por um outro eu que se cobiça.
A noite que alimenta o pesadelo parece infindável. Como se tivesse a espessura de dias a eito, no dilema torturante que amordaça a desejada lucidez. O sono sem fim é a prisão onde se jogam os dados do horizonte vindouro. As vozes sussurradas ao ouvido são um coro de palavras ininteligíveis. Ecoam em idiomas diversos, ampliando a confusão que raia os limites da loucura. Consegues delimitar meia dúzia de palavras que se distinguem no meio do caótico matraquear que invade o cérebro: tens é medo de fugir de ti mesmo.

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