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Andam descalços no empedrado imundo. Estejam as pedras da calçada molhadas pelo orvalho matinal, estejam escaldadas pelo sol tórrido que chega com o estio. Continuam descalços, como se a epiderme que protege os pés fosse feita de uma carapaça dura que os torna insensíveis às pontiagudas pedras que calcam. A ver pelo modo natural com que andam, sem tergiversarem nem esgares de desconforto, dir-se-ia que caminham com o mesmo à-vontade com que os aldeões de outrora metiam os pés despidos na lavoura.
Esta insensibilidade muito diz acerca da têmpera dos surfistas.
(E lá embarca o raciocínio nos perigosos estereótipos que o mandam pela ladeira das generalizações. Escusadas as advertências que acautelam as árvores tresmalhadas no meio da floresta indiferenciada. O texto só cura da floresta indiferenciada.)
Eles avançam, destemidos, ostentando a prancha a tiracolo, como se fosse uma medalha de mérito que patenteia o escol dos surfistas. Se o estio deixa as suas marcas no mercúrio dos termómetros, exibem as pilosidades do tronco porque o calor insuportável dentro dos fatos térmicos manda baixar a parte superior dos fatos até à cintura. As mangas arrastam-se, descuidadas, nas laterais das pernas, como se no percurso a caminho das ondinhas do mar fossem bizarros seres com quatro pernas.
As meninas, e as já não tão meninas, excitam-se na esplanada com os surfistas pós-adolescentes que irrompem pelo areal sedentos de se fazerem às ondinhas. (E de um ou outro surfista que estraga a média de idades, porque quadra com os modismos mostrar rejuvenescimento artificial enquanto se atiram às ondinhas disfarçando obesidades e cabelos grisalhos ou calvícies). Oh, como é enternecedor as solteironas passearem as fantasias enquanto deitam o olhar sequioso aos corpos seminus dos guerreiros das marés. A bem dizer, elas ensaiam um espectáculo mais discreto do que o montado pela homenzarrada com hormonas aos saltos em pose de marialvas engatatões.
Aquela dialéctica silenciosa postula uma emancipação feminina que, ouso, não favorece os intérpretes. É quando escorregamos de novo para a cilada dos estereótipos. Faz-se constar que os surfistas não são abonados em intelecto. Os genuínos, os que parecem ter a cabeça feita em pedaços de vento – porventura por levarem com tanta espuma das ondinhas que atravessa os ouvidos e irriga a massa encefálica com a transparência do nada –, rimam com frivolidade. À cadência do “cabelo cor de bananas” (Manuel João Vieira dixit).
As fêmeas, que não escondem a excitação na esplanada ao contemplarem o cortejo de surfistas, transitam na mesma frivolidade. Trata-se de um nada ao quadrado. Ah, mas o que conta é que, depois de travado o conhecimento, os surfistas são muito divertidos. Podem ter a cabeça que se reduz a vento, mas o que interessa? Ao menos não se embrenham nos complicados meandros dos intelectuais. Elas admiram – com os seus botões quando estão sozinhas, ou em discretos comentários com as amigas – a coragem dos intrépidos guerreiros das marés que irrompem contra a fúria das ondinhas de bidé. E eu, também num lugar cativo na esplanada, entretenho-me com a mal disfarçada lascívia das hormonas femininas diante dos surfistas a tragarem as ondinhas de bidé.
Ele há fêmeas que se contentam com pouco.
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