3.6.11

O engodo e a ironia


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Ah, as ciladas que as persianas encerram na escuridão. Desatamos a correr, enlevados, atrás do isco que bascula diante dos olhos na imensidão do horizonte que se promete colorido. A excitação dá corda às pernas que apressam o passo. Querem chegar depressa às prometidas cores que enfatizam o porvir radioso. Os olhos projectados no horizonte atraiçoam o resto do corpo. É uma falsa planura a que se anuncia diante dos pés em passo apressado. A certa altura, o chão acusa uma fractura furtiva. Se os olhos persistem na fervente excitação afivelada ao horizonte promissor, o corpo tomba no precipício de que só dá conta já os pés caíram no vazio.
As ciladas são um manto escondido que se abate sobre o corpo depois dele ter entrado num quarto proibido. Só se dá conta da arriscada incumbência depois de a cilada se abraçar, audaciosa, domando os movimentos do corpo. Pode a atenção prevenir a aleivosia de uma cilada montada com os requintes de malvadez. Muitas vezes, não pode a espontaneidade dos actos acautelar as traições congeminadas. Na irreprimível bondade que se confunde com as tergiversações ingénuas, quando dá conta o corpo já sucumbiu na cela para onde foi atirado pela cilada.
Toda a atenção que se possa arregimentar é refúgio das insidiosas ciladas que se montam. A factura é dispendiosa: a compenetração nos actos e palavras que possam transpirar segundas intenções fermenta uma desconfiança metódica. Com um pé atrás, tirando as medidas a actos e palavras de desconhecidos que possam estar industriados. Os olhos à cata dos engodos que se ofereçam com a atracção de um vistoso papel de embrulho que, todavia, vem impregnado de cicuta.
É um labirinto. Mas os dias não podem ser passados na consumição abrasadora da metódica desconfiança. Nesse caso, os dias sucedem-se doentios. A maior das ciladas é cair nas cautelas assoberbadas que passam a fronteira da desconfiança prudente e pisam o lodaçal da suspeição ubíqua. A presença de espírito precata a pior das ciladas: a que sitia à permanente cisma que desmonta palavras e actos venham de onde vierem.
O equilíbrio vem atrás da ironia. Desconstruindo palavras e actos com o suave toque da ironia. Convencendo o outro que caímos no engodo que soube montar com perícia. Três passos à frente dele. Anuindo concordâncias onde elas não existem. Simulando uma descomprometida admiração quando ela é um embuste destinado a desfazer em poeira a prosápia que se destinara a ser um engodo letal.
O pior é quando já não se entende o significado genuíno dos actos e das palavras empunhados pelos outros. A pele tisnada por ciladas de antanho pratica a prudência. Contristado através dos dias decantados pela metódica desconfiança, aprende-se a verter a tristeza no filtro da ironia. O que sobra é um amontoado de palavras e actos que não coincidem com o significado literal. A ironia esbofeteia-se no rosto dos outros, a quem é dada a suspeita de serem fautores de ciladas, com o doce sabor das pétalas de rosa encardida pela sua própria insolência. Uma arma terçada em contratempo. Mas uma arma com uma urgência indeclinável. 

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