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Errava pelos contrafortes da rebeldia. A acomodação aos costumes era um punhal trespassado na carne, sangrando-a como se o sangue trepasse pelo abrigo de uma barragem inconsequente. Provocava. Costumes, religiões, sacerdotes de umas e outras, gente bom posta, os querubins da mais alta estética, os estetas de um civismo emparelhado com as normas da boa educação. Desde a escola, rebeldia sem freio. Fazia gala em afastar as pessoas, como se ostentasse, com ufana condição, uma sarna que ensoberbecia os demais.
Não admitia peias. Pegava de cernelha as ousadias alheias que embaciassem a liberdade. Às vezes, chegava-se às fímbrias de grupos que pareciam vítimas a jeito da sua insubmissão. Simulava lealdades grupais por lhe convir a socialização. Encaixava atropelos aos valores (ou contravalores) por que estava pronto a terçar armas. A certa altura, quando se estorvava a paciência e as lealdades grupais desmoronavam num restolho empoeirado, irrompia com a ferocidade de uma besta ferida. Ia tudo à sua frente, a eito. Provocava com palavras ácidas, uma ironia destemperada que só os mais capazes distinguiam.
No sossego de mais um furacão que espalhara algures, deitava-se às horas tardias (o relógio não era adereço que usasse). As horas não contavam, eram outras algemas acanhadas. As horas, e os relógios – seus intérpretes amestrados –, eram dentes de leão que, pudessem eles, se embutiam na epiderme. Recusava-os como parte do seu caótico, mas irrefreável, modo de vida.
Um dia enamorou-se. Ao início não queria. Temia que os preparados da paixão desembainhassem uma reclusão de onde sairia crestada a liberdade. A dada altura, uma tremenda desorientação apoderou-se dele. Curava de saber se os suores frios em dias de invernia eram o manto onde perecia a indomável rebeldia. Indagava se a apoplexia em esgares lunáticos, quando os dias corriam sem notícia dela, bolçavam o insondável. E ali estava, diante de uma janela escancarada, um convite para a domesticação da insubmissão.
Reaprendeu tudo. A existência. O pulsar dos sentimentos, a hermenêutica das palavras ditas no êxtase das tórridas avenidas em que passeavam de mãos dadas. Já prometia enfeudamento quando rejeitou o nomadismo afectuoso que fora seu catecismo. Tudo o que fora estava turvado nas águas vagarosas onde nidificava o romance. Até a palavra (romance) teve que destituir das que abandonara no quarto recôndito dos preconceitos. Já não havia rebeldia, nem anotava no caderninho das empreitadas do porvir os golpes de insubmissão que embriagavam os sentidos.
Num dia, acordou e sentiu-se amordaçado. Queria movimentar os braços, mexer as mãos e os pés, e nada. Era como se estivesse atado às pontas de um campo magnético que prendia os movimentos. Entrou em pânico. Entendeu aquele pesadelo (que entrou como água do mar teimosa em pétreo material) como um oráculo. Dera conta que falseava a sua têmpera. Queria ser insubmisso outra vez. Era ele ou a entaramelada paixoneta que o desassossegava. Inclinou-se diante dos imperativos próprios. E por mais que a prometida consorte franqueasse as janelas dos confortos, não prescindia da impenetrável concha que sempre fora sua.
Abdicou. Para voltar a retomar as rédeas da insubmissão.
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