28.6.11

Never ending story

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Glosava as parangonas das revistas cor-de-rosa. Ela sabia que ele as tinha como lixo mediático, o bas fond da imprensa. Ela também sabia que ele deplorava a existência das figurinhas que se emprestavam (e emprestavam a sua intimidade) às páginas gelatinosas das revistas. Ao menos não era assunto entre eles, tão diametrais na mundividência. Ele nomeava mentalmente os interesses que gravitavam nas respectivas órbitas. Olhava para a cadeira do lado, onde ela se abstraía do restolho do mundo folheando esta literatura enquanto punha as pernas numa salmoura de sol na esplanada, e notava como tudo neles era antagonismo.
Os pensamentos viajavam para distantes paragens mentais. Ele fechava os olhos e, naquela aparência de quem se extasia com o primeiro sol primaveril, sentia as ondas do pensamento ancoradas a um lugar inacessível, imaginado apenas. Os olhos escorregavam, com a complacência dos óculos de sol, na direcção de um voluptuoso corpo feminino que deslizava em frente da esplanada em aproveitamento do primeiro sol depois da longa invernia. Nessa altura, os pensamentos cristalizavam-se na miragem.
Ela passava os olhos pelos retratos que devassavam, com o consentimento dos visados, a intimidade dos que são visitação frequente das revistas da especialidade. Ao jeito das matronas que afiam a língua enquanto sopesam a vida alheia, coscuvilhava as páginas da revista com uma avidez que, dir-se-ia, era sintoma da pessoal, desinteressante vidinha. As fotografias dos famosos, em generosa partilha do dia-a-dia, era a sua válvula de escape. Os pensamentos também apanhavam um voo de longo curso. Como se houvesse mister de encontrar uma existência paralela, ou de repente gizasse um alter ego que depois segredasse cada minuto da vida resplandecente. Imaginava-se ao lado de um dos habituais figurões em semi-perene estadia nas páginas das revistas que devorava com devoção quase religiosa.
Por mais que estivessem (interesses e pensamentos) em ausente sintonia, a imensa capacidade analítica estéreo em que o sexo feminino é pródigo foi resgatada no exacto momento em que ele, de forma descarada (a crer no diagnóstico dela), desviou o olhar para uma lúbrica mulher que arrastava o andar, vagarosa e indecentemente, em jeito provocatório. Era a fêmea de tal calibre que ele nem teve o cuidado de esconder o olhar destravado atrás das lentes fumadas. Para começo de conversa, recolheu as pernas da salmoura solar e tossiu duas vezes. E como a mulher provocadora notara que ele a seguira com o olhar tão vagaroso como o vagar com que as suas longas e desnudadas pernas se atapetavam no chão da marginal, ela pisou a revista, bateu três vezes com os nós dos dedos em cima da mesa e disparou, viperina: “tanto sol na cabeça deixou-te apatetado com a donzela?
Ainda esboçou retorquir. Reprimiu a resposta a tempo. O sol tão bondoso não convidava a uma arenga. Tomou-lhe o pulso do silêncio após um afectuoso beijo e um olhar com a profundeza dos olhos que a calou. O instante ficou a bater no pensamento nas horas seguintes. Trouxe dos confins da memória um texto sobre a anomalia da monogamia. Deu consigo a pensar. Não eram os interesses nos antípodas que esgotaram tudo neles. Foi a maresia da poliandria, sentir-se imune às dores da poliandria, a torre de Babel inscrita no horizonte do pensamento. Foi a estocada fatal. 

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