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Temos a mania. Que somos conhecedores. Lemos umas coisas, documentamo-nos melhor, literatura que enche a mesinha de cabeceira ou a secretária enquanto aguarda pelo tempo disponível; ou, no insaciável desejo pela engorda do conhecimento, é devorada num ápice. Vinhos, uma raça esquisita de cães, viagens, um género literário, cavalos, queijos, charutos. Tacos de golfe, para os arrivistas com sede de protagonismo.
Desenvolve-se a pretensão de sermos peritos. Crescemos do puro desconhecimento, passamos pela fase da curiosidade que alça o amadorismo e, com o tempo e o muito tempo investido, julgamos que atingimos a cepa por cima do amadorismo. Mergulhados na auto-indulgência, aturdidos pela contemplação do elevado estado do conhecimento atingido, escorregamos para o pretensiosismo. Um estado de avançada negação. É como se dantes nem precisássemos de óculos e, agora que a miopia do conhecimento embaciou o olhar, deitamos mão a uns óculos que precisavam de mais graduação. E, contudo, achamos que o elevado grau de peritagem no assunto dispensa sequer umas fracas lunetas.
Às vezes, parecia preferível regressar ao estado anterior à depuração do conhecimento. A menos que a teimosia, ou o autismo em que se cinde o aperfeiçoamento da sabedoria de uma arte, impeçam a lucidez de operar através do labiríntico olhar de conhecedor afamado. Faz lembrar quando procuramos por uma palavra - a palavra cirurgicamente certa para o contexto e a circunstância - e esbarramos numa. De tanto a soletrar mentalmente, ela perde sentido. As suas sílabas entoam no cérebro e desfazem-se em ininteligibilidade. Apetece recuar uns minutos, os necessários que fossem para não esbarrar naquela palavra que foi despida de significado. Como se fosse possível refazer o tempo iludido nos contrafortes da já memória.
Quando dou de caras com estes afamados conhecedores que tanto sabem de uma poda qualquer, faço de conta que estou interessado no assunto (as mais das vezes não estou) e ponho aquela pose de encantado diante tanta erudição. Fico com a impressão que o peritos da poda precisam que alguém se ponha com este ar de profunda admiração, de esmagamento perante tanto, e tão interessante, conhecimento. Faço perguntas, muitas, que vão além do interesse pelo assunto. Sobretudo se desconfio que tão cedo não volto a coincidir com a personagem.
Por vezes, quando a impaciência sopra uma brisa ao ouvido e a má disposição campeia, parto em demanda das incongruências dos afamados interlocutores. Eles exasperam-se: como pode um leigo hipotecar tantas carradas de conhecimento? Volto à carga com mais perguntas - e das incómodas. Os especialistas abespinham-se. Ao começo, solta-se-lhes a sobranceria inata a quem chegou ao púlpito do conhecimento daquela particular poda. Se a coisa desanda e as perguntas se desdobram depois de cada resposta que não tem serventia para encerrar a peleja, escorregam para o chinelo. "Homessa" - indignam-se - "este aluvião de interrogações hipoteca a autoridade de reputado perito". O impertinente desafiador, tratado como um parricida do seu conhecimento.
Se calhar é fruto do mau feitio. Fervo com a pesporrência dos peritos que, nota-se quando são esbofeteados pelas suas incongruências, se desfazem em amadorismo. Mas é que somos todos amadores. Mesmo quando achamos que temos cobertura da autoridade científica. A maior das higienes é a mental. Faz falta um banho de humildade, com a frequência das rotinas de higiene, para lá chegar.
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