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Tantas horas de ansiedade. As eleições depuseram os poltrões. Era a vez dos correligionários. Aproximava-se a hora da distribuição das prebendas ministeriais pelos mais fieis, os que souberam subir a pulso na estrutura do partido, os que (como ele), não sendo militantes, prestaram aconselhamento pericial e mantinham uma não remota esperança de serem chamados no sempre vistoso papel de “independentes”.
Eram horas de ansiedade. O telefone esvaziava a bateria. Às escondidas, espreitava as notícias televisivas no ecrã do computador, o som quase imperceptível não fossem os colegas entender a produtividade lesada pela agonia em vésperas de novo governo. Sabia que havia movimentações, convites daqui para ali, pressões dos lobbies poderosos para que fulano fosse colocado na pasta que interessa. Era uma competição selvática. Os fieis e os aspirantes a uma sinecura mal dormiam. Esperavam que até durante a madrugada o telefone pudesse tocar.
Enquanto o telefone continuava emudecido, alimentava sonhos. Já se via na tomada de posse a entoar a frase protocolar, jurando um desempenho em prol da pátria. Já se imaginava embrulhado em papelada diversa, afogueado pela burocracia típica, a marcar reuniões que emprenhavam a agenda. E já antevia a figura contristada quando chegasse o convite tão esperado. Dirá que é um sacrifício imenso, que até perde réditos se aceitar a sinecura, pedirá uns dias para tratar da vidinha. Esticará a corda por um par de dias antes de responder o que já queria ter respondido no exacto momento em que lhe fora dirigido o convite. Dirá as palavras que ficam tão bem aos prestimosos servidores das causas públicas: que servir o Estado é um indeclinável sacerdócio.
Mas o telefone teimava no emudecimento. Passou um dia, passaram dois, chegou o terceiro. Saltam os primeiros nomes. Ministros e secretários de Estado. Não lhe calhou a taluda ministerial. Mas não desanimou. Fez um reescalonamento das ambições. Director-geral ou assessor de um figurão também caem bem. Com a vantagem de que não têm exposição pública, que isto de governar é uma fogueira que se ateia à credibilidade de quem se empresta à vocação. Laborava nas possíveis prebendas, pondo a carroça à frente dos bois, distraído do resto. Nos tempos mortos, fazia constar, através de insinuações que não se perdiam nas entrelinhas, que estava de saída para o governo.
Ao quarto dia, o telefone tocou. Como tocava dezenas de vezes num dia, entre solicitações profissionais e a conversa com a consorte sobre a intensa vida social do casal ou a iguaria prometida para o jantar. A cada vez que soava o toque polifónico do telemóvel, atendia, célere e ansioso, julgando ser a voz entoando o convite – o tal convite. Ao quarto dia de espera, o telefone tocou o desejo. Era o ministro da tutela apetecida, aquela que quadrava com as suas aptidões, para a qual esboçara planos ambiciosos. Queria o ministro que ele fosse seu assessor principal. Explicou os motivos da escolha. Sem se deter, explicou as funções. Ele nem pestanejou. Agradeceu a deferência e a confiança. Ao contrário dos planos que pertenceram ao onírico, não implorou por tempo para pensar ou para decidir a vida que tinha. Agradeceu e aceitou, com indisfarçável entusiasmo, o convite.
No dia seguinte entrou no ministério. O nariz empinado, todo ele ufano, olhando em redor em demanda de reconhecimento, e pensando com os seus botões: finalmente, era governante. E prometeu que a escalada não terminava aí. Haveria de ir a secretário de Estado. Ou (quem sabe?) a ministro.
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