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O leite
coalhou. Quando o povo já lambia os beiços na ânsia de o provar, vieram uns
malfeitores e deitaram a erva que azedou o leite. Sem aviso prévio, mesmo na
véspera. Já o povo ensaiava a festança, já os planos para a folia estavam montados
atrás das linhas recuadas dos estiradores que compõem as ilusões que disfarçam
as desgraças quotidianas. Agora o povaréu ficou com a boca amargada. Não tem
remédio. Ou terá: na falta do feriado que os malfeitores não caucionaram, sobra
a hipótese de meter um dia de férias. Ou dois, para os que derem com os
costados à cama inflamados pela exaustão das forças.
Não é
coisa que gente de bem pudesse fazer. Podiam ter avisado com antecedência. É
que a máquina dos corsos está toda montada. Os foliões ensaiam para os cortejos
que festejam a algazarra da época. Se calhar até se contrataram as habituais
estrelas da televisão, brasileiras, ou cá do burgo quando o orçamento minguou à
imagem do depauperado erário nacional. Mas logo este ano, o ano de todas as dores
da austeridade, em que mais faria sentido a folia para obliterar as tristezas
amargadas com o emagrecimento dos réditos, os malfeitores que propagandeiam a
castidade do empobrecimento furtaram a ilusão do carnaval. Não se faz! É como
acenar ao povo com uma droga e proibi-la à última hora. Se calhar esses facínoras
tinham medo de ser vergastados nas habituais caretas que desfilam nos corsos.
Ou talvez não. Agora é que vão ser retratados sem dó.
Os
adeptos das festividades carnavalescas não vão capitular. Às três pancadas, um
dia de férias (pelo menos um) metido no mapa de férias da empresa ou da
repartição pública. Para o necessário oxigénio mental de que precisam. E, assim
como assim, que falta fará um dia de férias fora do calendário normal das ditas,
se na altura em que mais elas são gozadas não haverá subsídio que as consinta? Ao
menos, pelo carnaval não feriado até dos seus infortúnios poderão escarnecer,
os foliões.
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