17.2.12

Duas apoplexias (capítulo VI)


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O outrora todo-poderoso, o homem que tinha orgulho em ter sob alçada governos que faziam vénia à sua passagem, esperava pela resposta ao seu repto. Queria saber se tinha serventia para os revoltosos que, mandavam dizer pelas notícias, queriam contagiar a revolta a outros lugares ainda contaminados pelo putrefacto capitalismo. Desconfiava que a sobrevivência dependia de o aceitarem. Outra vez como conselheiro. E sabia que desta vez, por passar para o outro lado da barricada, tinha de ir com humildade. Mentalizara-se que a sobranceria do credor, misturada com a autoridade intelectual de que nunca se desprendera, tinha de ser obliterada.
À mesma hora, um magnata fazia planos com o reduzido séquito que continuara fiel. A maior parte desertara. Alguns, traidores, passaram segredos para os revoltosos. Contas bancárias ficaram congeladas. Tinha propriedades confiscadas, automóveis vandalizados, obras de arte criminosamente em bolandas nas mãos desconhecedoras. Já sabia que o seu banco deixaria de ser seu num abrir e fechar de olhos. As nacionalizações estavam a fazer caminho. Com a pressa que os revolucionários tinham, era uma questão de dias, poucos dias, até o banco ser do povo. Já estava preparado para a hipótese de a sua abastança se delapidar quando os tumultos desaguassem em revolução. Prudente, tinha um plano B na manga. Nas últimas semanas colocara o que pôde lá fora. Não foi tudo, mas ainda foi muito.
A sua apoplexia era diferente. Chegavam ao ouvido episódios grotescos. Havia caça aos magnatas. Milícias com sede de vingança, apontando as baionetas aos ricaços que, julgados em pose sumária, eram culpados da espiral que encostou o país ao precipício. Alguns magnatas foram capturados. Sovados em praça pública antes de darem com os ossos em imundos cárceres. Este magnata andava clandestino, disfarçado em carros podres, usando roupas andrajosas, rodeado pelos poucos seguranças que se mantinham leais. Dormiam ao relento, no meio dos bosques desertos. Sem deixarem rasto.
Tinham, o magnata e o séquito, uma dor de cabeça: qual era o plano, o plano que tinha de ser perfeito, para deixar de vez aquela terra.

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