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Mais
uma hora de viagem. Outra vez com os olhos vendados. Continuavam a não confiar
no negociador internacional que se passara para o lado dos aspirantes à matança
do capitalismo. Chegara a um local ainda mais quente, como se ali houvesse um
microclima onde o calor vomitava um bafo de deserto. O ar seco enxugava a
garganta. O suor acrescentava mais cheiro pestilento ao que já sobrava no ar.
Esperou
numa sala em penumbra. O tempo parecia arrastar-se com uma lentidão doentia. A
espera era excruciante. As gotas de suor que escorriam dorso abaixo encharcavam
a camisa que trouxera em viagem. Olhou para a camisa. Estava encardida, os
vincos das partes amarrotadas tingidos pela sujidade. A angústia não parava de
morder os lábios entaramelados. E, a crer no aperto de mão do interlocutor
anterior, não devia temer nada. Aquele aperto de mão era a caução de um acordo.
A conversa com o número um da junta revolucionária seria uma formalidade. Assim
como assim, quem congemina as decisões são os peritos que ficam na sombra. Os
mandantes só as selam com a assinatura.
Foi
chamado ao gabinete do chefe supremo. Ao entrar, viu um homem corpulento de
costas. Envergava um fato aprumado, dir-se-ia dos melhores alfaiates italianos.
Cumprimentou-o sem se voltar na direção do visitante. A mão direita golpeava o
caule de um charuto. Em cima da mesa, um uísque com duas pedras de gelo. Ainda
de costas, o chefe supremo perguntou ao visitante se era servido. Do charuto e do
uísque. Agradeceu, com voz trémula de indisfarçável enervamento, e declinou a
oferta. “Não fumo nem bebo”. Ao que o
outro, enfim dando a conhecer o rosto, redarguiu com veemência autoritária: “pois faz mal. Não sabe o que perde. Não tem
prazeres mundanos?”.
O
desertor, o oportunista desertor da causa capitalista, ficou sem resposta.
Estava aturdido com os hábitos de pequeno burguês do líder da revolta. Imaginou-o
em marcial fardamento, à imagem do estado de sítio que ainda estava decretado.
As mãos e a boca tremiam, como se de repente o calor insuportável desse lugar
ao frio glaciar. Aquele silêncio perturbava-o. A impassibilidade do líder dos
revoltosos, mais ainda. Queria esboçar um começo de conversa, mas temeu que a
impertinência fosse mal ajuizada. Percebeu que o chefe supremo queria terminar
o charuto e o uísque. Aguardou, enquanto a fleuma do líder lhe contagiava o
regresso à acalmia.
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