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O homem
que tinha vindo negociar a esmola que resolveria a falência do país estava em reconfiguração
intelectual. Depois de assimilar as palavras do doutrinador que parecia saído
de Woodstock (com umas décadas sedimentadas em cima da idade), começou a
questionar os azimutes. Desde que fora professor até ter entrado na organização
internacional que curava dos males dos países desvalidos. Ao deitar, ainda
perplexo pela desorientação dos sentidos interiores, desconfiou se seria o mesmo
homem que conhecia quando acordasse. Aquele acesso existencialista seria
produto do acaso – admitiu, antes da cabeça repousar na almofada.
Ao
acordar, começou por duvidar se já fizera a alvorada ou ainda macerava num
sonho. Não era sonho. Testou convicções. O catecismo que aprendera e ensinara,
o catecismo que obrigava uns desamparados líderes de países miseráveis a
aceitarem em troca de uma ajuda salvífica, já não era catecismo. Pela primeira
vez entoou “neoliberalismo” sem ausência de reação. Agora, a hipófise segregou
subcutânea irritação.
Quando
o carcereiro atirou o pequeno-almoço para dentro da cela, ele pediu para alguém
importante ouvir segredos que tinha para contar. Meia hora depois apareceu uma
personagem mal alambazada; parecia um cientista maluco. Ainda trazia um pedaço
de queijo amolecido preso às desastradas gadanhas. O porta-voz da revolta olhou-o
com desdém. Quando o negociador anunciou que queria colaborar, o porta-voz
retorquiu com altivez:
- Estás a querer safar o couro...
- Não, espere, ouça o que tenho para dizer. Diga aos seus superiores...
- ...Aqui não há superiores. Diz ao que vens – atirou com indiferença, enquanto observava as mensagens desesperadas que presos antigos tinham selado nos tijolos da cela.
- Eu posso colaborar convosco. Posso dar informações que vão ser veneno nas veias do capitalismo.
- E porque o farias? Para safar a tua covardia?
- Acredite. É genuíno. Mas isso nem importa. Quer ou não as informações que tenho? Olhe que tenho informações classificadas que...
- Estás a querer safar o couro...
- Não, espere, ouça o que tenho para dizer. Diga aos seus superiores...
- ...Aqui não há superiores. Diz ao que vens – atirou com indiferença, enquanto observava as mensagens desesperadas que presos antigos tinham selado nos tijolos da cela.
- Eu posso colaborar convosco. Posso dar informações que vão ser veneno nas veias do capitalismo.
- E porque o farias? Para safar a tua covardia?
- Acredite. É genuíno. Mas isso nem importa. Quer ou não as informações que tenho? Olhe que tenho informações classificadas que...
O
porta-voz virou as costas com a mesma cara de poucos amigos com que entrara. Em
surdina, já quase em debandada da ala da prisão, gritou:
- Não alimentes ilusões. Vou contar ao meu superior. Espera.
- Não alimentes ilusões. Vou contar ao meu superior. Espera.
O
desertor ficara com uma certeza: afinal havia superiores hierárquicos.
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