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Enfim, saiu da cela. Ia para quatro dias e não lhe era dado ver um vestígio da luz do
dia. A cela era numa cave qualquer, onde o calor apodrecia ao medrar com o
insuportável cheiro a suor e latrina. O negociador internacional não ia naquela
figura apessoada com que posava para as fotografias que enfeitavam profusamente
o gabinete em Nova Iorque. Ia algemado, desgrenhado, com a barba rala por
escanhoar, exalando um odor pestilento.
Ia ao
encontro de uma figura proeminente da junta revoltosa. Não lhe revelaram o
nome. Meia hora depois, retiraram o capuz. Não percebera todas as medidas de
segurança; até parecia um operacional de organização terrorista, até parecia
que tinha treino de mercenário e que podia tirar uma qualquer carta da manga.
Já antes não entendera porque o algemaram. A sua figura franzina não convencia
os algozes? Não se incomodou com o trato humilhante. Por uma vez sentia-se um senhor
robusto, orgulhoso por o temerem tanto.
Entrou
num gabinete que tinha uma janela por onde espreitava uma paisagem
deslumbrante. Os pensamentos longínquos foram interrompidos pelo figurão que
irrompeu pela sala dentro. Arrastava umas botifarras de militar que troavam no
soalho. Ainda mal se tinha sentado e já disparava a primeira pergunta:
- Disseram-me que o senhor tinha informações
que podiam interessar à nossa causa. Eu sou uma pessoa com o tempo muito
ocupado; pode-me revelar em poucas palavras que serventia é a sua?
O
negociador ficou admirado com a cortesia em contraste com a boçalidade e a
antipatia de todos os revoltosos que tinham esbarrado com ele. Notava-se que
era um homem educado. Disse-lhe, a medo:
- Tenho visto as imagens da revolução na minha
cela. Estou impressionado. Estes dias têm sido muito intensos para mim. Tem o
senhor toda a legitimidade para duvidar do que lhe vou confiar a seguir, mas
acredite que é genuíno: todas as causas por que me bati estavam erradas. Foi
preciso ver o pulsar da vossa revolução para o perceber.
- Convença-me que não o devo tratar como oportunista.
Convença-me que é apenas um traidor que está a tentar salvar a pele –
retorquiu o revolucionário.
- É simples. Não lhe passa pela cabeça que
posso ter feito uma conversão de ideias? E mesmo que isso seja irrelevante, não
acha que tenho informações que podem valer muito para a vossa causa? Já sei que
me vai perguntar o preço. É só um: a liberdade. Por ela ofereço justa
contrapartida: serei vosso conselheiro na luta contra o capitalismo
internacional. Creia-me que posso ser muito útil.
O
figurão saiu da sala para telefonar ao chefe supremo. Regressou dois minutos
depois. De mão estendida, pronto a selar o acordo.
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