In http://album.home.sapo.pt/diversos/tasca01.jpg
Os
reformados beberricavam o vinho fresco, a canícula a entrar por todos os poros.
Nem a ventoinha valia para capar o calor. Suavam. Mas já não estavam
angustiados, sem saberem se as reformas eram pagas na próxima visita aos
correios.
Sorriam.
Estavam animados, depois de desfeita a mordaça ditada pelos do estrangeiro, em
assassino concubinato com políticos traidores. Os reformados renasciam.
Voltavam às utopias da juventude, às utopias revolucionárias. Às utopias já
mais pragmáticas quando frequentavam o sindicato, de como punham forças ao
serviço da doutrinação dos operários. A tasca onde jogavam às cartas estava
repleta de cartazes evocativos da ortodoxia comunista.
Do
nada, um deles acenou no sentido da televisão. Passava em repetição um programa
de humor quando os traidores mancomunados com os fascistas internacionais ainda
semeavam o terror da pobreza. Era estranho: para os parâmetros ditados pela
cúpula do partido, aquele humorista era persona
non grata. Fora um deles, mas tresmalhou-se. A imperdoável dissidência. São
mais inimigos que os adversários de sempre.
Mas os
camaradas reformados estavam extasiados a relembrar o episódio emblemático do humorista.
Ele usava sarcasmo para parodiar a crise ordenada pelos meirinhos do fascismo
internacional. Desta vez, os reformados riam-se do número. Não é que já
sentissem que a crise tinha levantado voo com a expulsão dos vendilhões, que
talvez o tempo ainda fosse escasso a não ser para descerrar o ânimo. Mas
riam-se. Aqueles eram dias bem dispostos. E até a proibição das cúpulas tinha
sido evitada. O humorista era, por uns breves instantes, readmitido no campo de
visão, escapando à censura das cúpulas.
O
humorista passava a vista ao empobrecimento mandado vir de fora. Havia sempre
um sol radioso em cada atentado aos direitos golpeados. No fim do número, a
atriz que com ele contracenava, impaciente, atirava-se aos fascistas
internacionais e aos seus mandantes. Irascível, ia dizendo que “estes pulhas estão-nos a f...”, mas o
humorista foi a tempo e tapou-lhe a boca. Sussurrando-lhe ao ouvido: “não sejas vernácula. Diz apenas que nos
estavam a aplicar uma massagem prostática.”
E um
dos reformados, depois de rir a bom rir, sentenciou: “a massagem foi devolvida à procedência.”
Sem comentários:
Enviar um comentário