28.9.12

Quero o Estado de direito de volta


In http://www.osconstitucionalistas.com.br/wp-content/uploads/bitzceltflick3.jpg
Os polícias, se puderem, fazem escutas ilegais.” Pinto Monteiro, o procurador-geral da república que, supostamente, defende a legalidade contra os seus algozes.
Quero lá saber das guerras de manjerona, da baixa política que instrumentaliza o procurador-geral. Mal anda tudo isto quando gente que vem da política e devia, ao menos, fazer de conta que exterioriza responsabilidade e conhecimento, mistura política com justiça e justiça com política. Amadores que não sabem o que é a separação de poderes. Ou mentes retorcidas que aprenderam o axioma, mas não têm peias em pisá-lo quando a mesquinhez da luta entre partidos fala mais alto. Quero lá saber das especulações sobre o próximo procurador-geral. Enquanto for nomeado por acordo dos partidos que nos puseram neste estado pré-comatoso, não se espere independência do titular do cargo. Tudo isto são bitaites que não arranham o ouvido ao pé da distraída (ou inocente) confissão do ainda procurador-geral: ponham meios à mão de semear e os senhores da polícia desatam a espiolhar a vida de quem estiver a jeito, mesmo que as escutas sejam ilegais. É isto que devia interessar às pessoas. Ninguém está imune às intromissões ilegais. Mas o pior está para vir: então não nos ensinaram que a polícia persegue quem comete ilegalidades, levando meliantes à justiça? Agora tomamos conhecimento, pela incontinente boca do procurador-geral, que os polícias são os primeiros a delinquir. Que se dane a teoria mal amanhada dos fins que justificam os meios. Os fins nunca justificam que os meios usados sejam uma traficância de valores que são esteios. Nunca. O mal é a fronteira pouco nítida entre o “agora vamos abrir uma exceção para escutarmos as conversas telefónicas de fulano” e o “agora não, que isso passa dos limites da legalidade”. Um dia destes, vai-se lá saber onde o poder que sobre nós se abate se vai meter. O que leva, em jeito de conclusão, a propor uma boa possibilidade de negócio: cursos de defesa contra intromissões dos polícias e dos serviços secretos, com elevado débito de software e hardware. Imagino que estes cursos teriam de ser clandestinos. Como é clandestina e ilegal a atividade das polícias que espiam e espiam e espiam.

27.9.12

As alvoradas continuam radiosas


In http://www.fluminenseetc.com.br/wp-content/uploads/2012/05/1-polegar.jpg
Está tudo bem. Enquanto houver alvoradas. Assim como assim, nem interessa se veem carregadas com o timbre tristonho da chuva, ou com a resplandecência do sol viçoso. Haja almofadas a testemunhar o acordar quotidiano. O resto, detalhes que navegam na irrelevância a que pertencem os detalhes. Os tempos não vão de feição – dizem. E quem discorda? Todavia, há o bem maior de ter as alvoradas por bem dispostas companheiras (e uma família e as pessoas que nos são queridas, até um qualquer ato administrativo se lembrar de nos tributar pelas amizades e amores). Continuamos a ter as veias inflamadas pelas palavras comoventes, pelos gestos que consolam, por um olhar que tutela mais do que um aluvião de palavras. E temos o absurdo em redor atirando os confettis do surrealismo. Sem ele, o tempo ia para madraço, prisioneiro da sua monotonia. Até quando o negrume açambarca o horizonte, amaciando o olhar que decai na tristeza, saibamos cavar fundo para dirimir as incompatibilidades com o encapelado mar dos problemas. Das duas, uma: ou os problemas se transfiguram, reduzidos à condição de insignificância; ou os problemas são encaixados, olhando-os de frente como numa pega valente. Poderão as ruínas atiçar poeira tóxica e o corpo iniciar o lento envenenamento. Ou poderemos meter os olhos de frente à coisa problemática, sem cuidar de desgastar o tempo escasso nas angústias que esperam nas esquinas das aflições. O olhar desvia-se. Não foge; declina as consumições demoradas que embaciam os moinhos de vento onde se terçam os sonhos. Pois aí nunca empobrecemos, nem perdemos quem nos é querido, nem somos assaltados por diabretes que se apoderam das palavras que queríamos dizer só depois de as termos lido. Uma borboleta violeta atravessa-se na contumácia da luz matinal que desvela os segredos de um dia. Empresta-lhe a cor violeta. De repente, perdemos o rasto à borboleta. Mas não interessa. A cor já tinha sido tingida ao dia por diante. 

26.9.12

Cavalo desembestado


In https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgHgxIyzI4WSos33adX_yiPgLEYP2jCDbNzoUG2IhMxo6KDNnqSyfZmb4DPxIX3Vr6qSl5evhhC6-2gRaSiVQ1oJn3d5KE9k8KEvMrDDJ7UiT8MaVnPHabW1LMBQqq4rEswy9onNA/s400/normal_26.jpg
Os arreios pesavam sobre o dorso. As esporas eram cintas afiadas que tolhiam a liberdade. Todos os dias, mal o feitor entrava no estábulo com a ração matinal, os olhos já tinham passado pelo crivo da alvorada. Marejados, os olhos não deixavam de sonhar. O cavalo já não se importava que lhe dedicassem as atenções todas, nem com a corte que o pajeava. (Ouvira dizer que valia o peso em ouro, pelas proezas embainhadas sob a batuta de um jóquei que pesava uma pluma.) Um dia, uma égua em visita transitória contara-lhe os prazeres da liberdade. Como era correr em campo aberto, os calços esbugalhando a terra mole onde tufos espessos de muito verde erva tinham ninho. Este sonho era um sobressalto contínuo. Repetia as imagens narradas pela égua, à exaustão. De tão exausto caiu doente. Fraco e macilento, meteram-no a custo na carrinha transportadora. Era ainda noite, a madrugada espreitando no estuário do horizonte. A tristeza consumira as forças, ia prostrado. Soergueu o pescoço e os olhos deitaram-se na paisagem já aclarada pela fresca luz matinal. Viu montes e vales, um imenso tapete ervado por diante. Relinchou como se a dor o consumisse. O cavalo simulou o estertor e o tratador ficou em pânico. Mal tomou o telemóvel entre mãos (teria de comunicar ao veterinário), o cavalo arrebanhou umas forças do mais fundo de si, saltando por cima do tratador. Correu tudo o que sabia. Sentiu um dardo de raspão – era o dardo que o tratador disparou para anestesiar a fuga. Falhou. E ele soltou as rédeas mentais que o domaram tanto tempo. Não estava doente, ou a correria desenfreada não encontrava forças em gestação. Trepou montes, saltou cercas de meter respeito, não se intimidou com os penedos, arredondados ou com vértices à mostra, que apareciam debaixo dos cascos. Bebeu a água que quis, sem o racionamento dos estábulos. Comeu comida pura e deu conta como é sensaborona a comida impura, a ração meticulosamente pesada pelo feitor. Dormiu ao relento. Sem medo dos lobos que uivavam ao longe, sem se intimidar com o vento furioso que se compôs no zimbório de uma tempestade. Acasalou com uma égua selvagem, que ensinou os outros rudimentos da liberdade. Os homens andavam pelo monte em sua demanda. O cavalo enfurecia-se quando os via ao longe, para logo empreender fuga. Passaram meses. Anos. Os homens deram o cavalo como baixa. Julgaram que se tinha precipitado do alto de um penhasco na serrania inexpugnável. Mas o cavalo viveu anos a fio sem saudades do aristocrático trato.

25.9.12

Aparências que iludem


In http://img.facileblog.it/9/2012/09/Nicole-Minetti2-289x400.jpg
A história vem do almanaque das notícias bizarras: uma senhora deputada, jovem e escultural (a fotografia documenta), despiu-se de preconceitos que habilitam a classe e desfilou em trajes menores numa passerelle. Os jornalistas foram aos arquivos. A senhora Minetti – o nome de família da honorável parlamentar – foi “higienista oral” do galã Berlusconi. Funções exercidas era o destinatário do serviço primeiro-ministro. E as mentes um bocado perversas (quem o não é?), de mão dada com os de sempre detratores da personagem política, logo cozeram raciocínio expedito: se Berlusconi gostava de andar cercado de meninas jovens, possivelmente pagas para serviços de que doutro modo (de mote próprio) não prestariam; e se a agora representante do povo no parlamento prestava serviços de higiene oral, já toda a gente percebeu de que arranjinho se trata. As mentes perversas trataram de assegurar que a Dra. (porque um higienista oral só o é depois de obter certificação universitária – informei-me de fonte segura) começou a frequentar os bancos do parlamento depois de ter prestado serviços de higienista oral no anterior primeiro-ministro da Itália. As más línguas dirão “no” em vez de “ao”, o que, para o caso, faz toda a diferença. Talvez seja ingénuo, mas nem tudo no mercado das influências obedece a esta lógica de contrapartidas. A Dra. Minetti tratou a boca de Berlusconi (e não o contrário). Não é difícil imaginar os episódios seguintes. A higienista oral a produzir oratória política. O primeiro-ministro de então, com a boca ocupada devido aos profissionais tratos da Dra. Minetti, encantado com os dotes de oratória (não com outros, pois ninguém acredita que uma higienista oral vá nos preparos da fotografia para o consultório). Somo mal intencionados se apressarmos outras conclusões. Ele não há gente da área médica com queda para a política? E os curvilíneos atributos, com uma certa pitada lúbrica, proíbem a eleição para o parlamento? Admito que as feministas estejam, desta vez, do meu lado (mas não ao meu lado...).

24.9.12

O casamento por um fio foi ao consultor matrimonial e foi salvo in extremis


In http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/perguntas_respostas/divorcio/imagens/divorcio_dentro_pr.jpg
(As semelhanças com o momento político não são coincidência)
Já havia gente a estranhar tão demorada harmonia entre os consortes. Uns oportunistas, com a digestão mal feita por não terem sido eles os convidados para depor no altar, pressagiavam um fim breve para os consortes. Mandavam dizer que este matrimónio era de conveniência – como acontece com os arranjinhos entre a realeza europeia, ou os que unem, sob a sagrada bênção da igreja, herdeiros de fortunas com o fito de as multiplicar. Todos esperavam pela primeira crise dos consortes. Muitos adivinhavam que seria tão feroz que o matrimónio não sobreviveria dos escombros. Um dia, fez-se constar (dizem que a informação partiu de amigos chegados dos consortes) que estavam desamigados. O consorte tomara decisões sem querer saber da consorte. Esta, descontente com as decisões consumadas, veio para a rua dizer que não concordava. Os que nunca apostaram um cêntimo no matrimónio tiveram uma alvorada radiosa. Mas o casamento tinha de durar. Os consortes estavam fadados para a concórdia, ou os tutores que de estrangeiras terras vigiavam os caseiros negócios apressar-se-iam a fazer caretas feias e a ameaçar a debandada, deixando os caseiros negócios nas mãos do acaso. Entrou em cena o patriarca. Puxou os galões à respeitabilidade que faz questão de ostentar e intercedeu, com a sua autoridade maior, junto dos consortes que estavam no limiar da rotura. Conseguiu juntar os estilhaços que os danos já haviam feito, coseu as pontas e, ufano, anunciou aos interessados que o matrimónio não ia fenecer. Alguns já tinham encomendado serviços fúnebres de notários e do registo civil, pois adivinhavam o divórcio. Aliás, exultavam com o divórcio, pois pastam na adversidade dos (ainda) consortes. O patriarca da normalidade, feitor dos acordos alargados que não admitem divergências, patrocinou a harmonia celestial. A outra gente toda desconfia que a parelha está a prazo. Até à próxima facada. É dos livros: os matrimónios por conveniência terminam numa ode destruidora. Esticar a sua sobrevivência é um ato forçado que distribui danos por todos.