In http://autocentralinas.com/image/091680327f3d0b62fac3882c3b104202.jpg
Dizia-lhe a amiga: “tu não precisas de piloto automático. Deixa
isso para os aviões que extraem à natureza humana a sua humana natureza”.
Mas ela afogava-se em contradições. As hesitações eram a consumição de quase
todo o tempo. Não parecia válido o desperdício de forças. Ela pressentia-o
quando resgatava um bocado de lucidez e metia as mãos na água de onde trazia à
superfície, com a nitidez da água nascente, o tempo que ficara para trás.
Talvez fosse essa a causa: excesso de ventura. Ou o desconhecimento das
perturbações que tiram a respiração, dos sobressaltos que locupletam o sono. As
apoquentações pareciam um rosário cheio de nada, oco por dentro. A amiga
sabia-o e, por vezes, irritava-se com tanta indigência. Era dura quando tinha
de ser. Continuava a acordá-la para o mundo que não era aquele em que vivia
imersa: “quando te pões assim, és um
insulto aos outros – aos que já passaram, e agora estão incólumes, às
contrariedades que deixam feridas abertas por muito tempo.” Ela parecia não
ouvir quando as palavras da amiga soavam a reprimenda. Lá no fundo, admitia que
a reprimenda era certeira. Mas logo voltavam os pensamentos a divagar entre o
nada e coisa nenhuma, uma árvore incapaz de legar um fruto para amostra. Em
jeito de súplica, atirou: “se não me
concedes o piloto automático, ao menos concorda que preciso de direção
assistida. Preciso da tua concordância. Da tua direção assistida.” A amiga,
com a paciência a chegar ao ermo onde se transformava em deserto, anuiu. Reteve
o olhar no firmamento, onde as nuvens altas boicotavam o sol do entardecer,
pousando a mão sobre a sua: “tu sabes que
sim. Sabes que sou, assim o queiras, direção assistida. Continuo sem perceber
por que precisas. Personalidade tão forte não quadra com dependências.” Ela
sufragou o momento com uma larga inspiração do ar fresco daquele final de
tarde. Houvesse quem a entendesse nos seus dilemas. E que se danasse a sensação
de dependência, como se fosse uma droga dura em que se tornara viciada.
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