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Anda imerso num mundo cinzelado
com laivos de fantasia. É capaz de seguir pelas ruas afogado neste universo,
que tanto pode ser uma teia complicada como a complexidade de um grande nada.
Enquanto erra pelas ruas, já sem lembrar por onde deixaram os seus pés rasto, é
capaz de passar por desgraças acabadas de acontecer como se não tivessem
acontecido. Dizem-lhe as coisas e, os que o conhecem de ginjeira, já sabem que
por mais compenetrado que pareça, as coisas diluem-se na nuvem em que se
transforma a sua ausente atenção. Já não era a primeira vez que saía à rua com
sapatos trocados, ou com peúgas de cores diferentes. De uma vez aborreceu-se
com uns ganapos porque zombaram da camisa vestida do avesso – e ele a teimar
que a camisa estava do lado certo e os ganapos a esfarraparem as gargalhadas
todas. De outra vez, passaram-lhe alho na torrada e ele comeu sem dar conta que
o alho tinha tomado o lugar da manteiga – e ele que odiava alho a condimentar
cozinhados. Não se lembrava do aniversário de ninguém. Quando, dias depois, por
interposta pessoa, dava conta da desatenção, jurava a pés juntos que no ano que
vem não ia cair na armadilha do esquecimento. Até comprara agendas. No plural,
pois perdia-as ao deus dará. Os esquecimentos vinham com a batuta das agendas
esquecidas; só se fosse aos achados e perdidos é que podia copiar as anotações
desengonçadas que ia escrevinhando com lápis mal afiado. Sabia que era um caso
perdido. Quem conhecia o seu quarto nunca conseguiu perceber onde era a cama, o
sofá, os armários, qual a roupa que estava limpa e à espera de ser engomada e a
roupa encardida que já pedia visitação à máquina de lavar. Não se demovia. Fazia
ouvidos moucos aos paternalistas avisos que caíam em cima por tanta distração
que carregava no dorso. Naquele seu jeito destravado, dizia, com indiferença
que muitos consideravam displicente, “ao
menos não tropeço no mundo”.
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