4.9.12

Teoria da distração


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Anda imerso num mundo cinzelado com laivos de fantasia. É capaz de seguir pelas ruas afogado neste universo, que tanto pode ser uma teia complicada como a complexidade de um grande nada. Enquanto erra pelas ruas, já sem lembrar por onde deixaram os seus pés rasto, é capaz de passar por desgraças acabadas de acontecer como se não tivessem acontecido. Dizem-lhe as coisas e, os que o conhecem de ginjeira, já sabem que por mais compenetrado que pareça, as coisas diluem-se na nuvem em que se transforma a sua ausente atenção. Já não era a primeira vez que saía à rua com sapatos trocados, ou com peúgas de cores diferentes. De uma vez aborreceu-se com uns ganapos porque zombaram da camisa vestida do avesso – e ele a teimar que a camisa estava do lado certo e os ganapos a esfarraparem as gargalhadas todas. De outra vez, passaram-lhe alho na torrada e ele comeu sem dar conta que o alho tinha tomado o lugar da manteiga – e ele que odiava alho a condimentar cozinhados. Não se lembrava do aniversário de ninguém. Quando, dias depois, por interposta pessoa, dava conta da desatenção, jurava a pés juntos que no ano que vem não ia cair na armadilha do esquecimento. Até comprara agendas. No plural, pois perdia-as ao deus dará. Os esquecimentos vinham com a batuta das agendas esquecidas; só se fosse aos achados e perdidos é que podia copiar as anotações desengonçadas que ia escrevinhando com lápis mal afiado. Sabia que era um caso perdido. Quem conhecia o seu quarto nunca conseguiu perceber onde era a cama, o sofá, os armários, qual a roupa que estava limpa e à espera de ser engomada e a roupa encardida que já pedia visitação à máquina de lavar. Não se demovia. Fazia ouvidos moucos aos paternalistas avisos que caíam em cima por tanta distração que carregava no dorso. Naquele seu jeito destravado, dizia, com indiferença que muitos consideravam displicente, “ao menos não tropeço no mundo”.

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